O brilho do ‘planeta Trans’, por Carles Gámez

05 de setembro, 2015

(El País, 05/09/2015) Quando o ex-atleta olímpico Bruce Jenner apareceu, em julho passado, na capa da Vanity Fair com sua nova identidade sexual, agora Caitlyn Jenner, a sismografia midiática sofreu um segundo Big Bang registrado imediatamente no 1 milhão de internautas que passaram a seguir Jenner em sua nova conta no Twitter em apenas quatro horas. O holofote da saga Kardashian-Jenner se deslocou do generoso bumbum de Kim Kardashian para o rosto de uma mulher de 65 anos exibindo sua nova afiliação no glamouroso enquadramento da revista.

Artistas travestis no Le Carrousel, em Paris, nos anos 50. (Foto: Reprodução)

Sob sua nova construção sexual, Caitlyn abriu outra frente na visibilidade do coletivo transexual. No último dia 15 de julho, ao receber um prêmio por valores olímpicos, ela fez um emocionado discurso em defesa da causa LGBT. “As pessoas transexuais merecem o respeito de vocês, e só com respeito podermos ter uma sociedade mais tolerante”, disse uma reivindicativa Caitlyn Jenner. Protagonista de seu próprio reality show (I Am Cait), Jenner se uniu a figuras como as atrizes Laverne Cox, a primeira transexual a protagonizar a capa da Time,popular por causa do seriado Orange is The New Black e ativista dos direitos dos transexuais. A cineasta Lana Wachowski e a modelo Andreja Pejic também já tinham tornado pública sua mudança de sexo.

A atriz Laverne Cox, em junho, em Nova York. (Foto: CORBIS)

Abertura midiática

Uma visibilidade feminina já é promovida pelas capas das revistas e pelas passarelas da moda, e contrasta com a dos homens – ainda muito restrita, com exceções como Chaz Bono, filho da cantora Cher; ou Aydian Dowling, candidato a ocupar a capa da Men’s Health e que revelou seu segredo no programa de Ellen DeGeneres, narrando sua transformação de mulher a homem diante dos olhos de metade dos Estados Unidos.

Essa abertura midiática celebrada por séries de TV como Transparentmascara a luta de outros personagens transexuais em épocas menos receptivas e cujo destino passava inevitavelmente pelas páginas sensacionalistas ou de fofocas. Quando o bailarino Jacques Dufresnoy decidiu se transformar na vedete Coccinelle (1931-2006) e passar pela clínica do ginecologista George Burou em Casablanca, seu caso foi a primeira e grande revelação do universo transexual. Uma das estrelas da boate Le Carrousel, uma casa de festas na Champs-Elysées animadas por artistas travestis que iluminavam a noite parisiense dos anos cinquenta, Coccinelle se tornou o retrato – tanto positivo como negativo – da visibilidade transexual. Suas atuações na Espanha franquista estavam rodeadas de uma curiosidade mórbida, e até apareceu no filme Días de viejo color, de Pedro Olea, ao lado do pintor Viola.

A modelo Andreja Pejic. (Foto: CORBIS)

“Eu não aceitava a ideia de que era homem porque eu era e me sentia uma mulher”, confessa Marie-Pierre Pruvot, uma das antigas vedetes do Le Carrousel, diante das câmeras, no perturbador documentário Bambi(Sébastien Lifshitz, 2013). Bambi é seu nome artístico e ela viveu sua infância como menino – Jean-Pierre – em Oran. Um garoto cheio de dúvidas que finalmente se libertou fugindo para Paris. A prostituição e o showbiz eram os únicos destinos para uma travesti. O jovem Jean-Pierre começou, então, a trabalhar no Le Carrousel. Assim como Coccinelle, depois de exaustivas sessões de hormônios, Bambi passou pela clínica de Burou, que se tornou uma espécie de meca para os transexuais. Diferentemente de outras colegas, Bambi trocou o mundo do espetáculo pelo do ensino, vivendo uma segunda existência ao longo de quase 30 anos como professora de Literatura. Hoje, aos 70 anos e aposentada, vive com outra mulher.

Lana Wachowski. (Foto: CORBIS)

Mas nem todas as vozes aplaudiram a revelação de Caitlyn Jenner. April Ashley, uma respeitável senhora de 80 anos e que, em sua época, foi a primeira transexual famosa do Reino Unido, manifestou sua surpresa “pela demora de Caitlyn em ter reconhecido sua identidade oculta”. Depois de um primeiro itinerário como vedete do Le Carrousel, Ashley seguiu uma carreira como modelo e apareceu nas grandes revistas de moda. A revelação de sua identidade sexual foi um dos grandes escândalos da imprensa britânica no início dos anos sessenta.

Marie-Pierre Pruvot, mais conhecida como Bambi, no documentário que leva seu nome. (Foto: Reprodução)

Também não faltaram vozes críticas dentro da própria comunidade transexual. Apesar da publicidade que casos como o de Caitlyn representa para o grupo, nem tudo é positivo porque, na realidade, trata-se de reforçar os estereótipos tradicionais feminino. É uma modelo, branca e rica que, na opinião de outros participantes desses foros críticos, esconde a realidade da comunidade transexual. O caso da ex-atleta também teve resposta nas redes sociais através do movimento My Vanity Fair Cover (a minha capa naVanity Fair), onde transexuais de todo o mundo substituíram a imagem de Jenner na capa da revista por sua própria fotografia: a visualização de um grupo que continua sendo marginal.

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