“Foram 20 minutos de ligações e não apareceu nenhum policial. Meu filho morreu por transfobia e também por negligência.”
(HuffPost Brasil, 17/05/2018 – acesse no site de origem)
Aos 42 anos, a travesti cearense Dandara dos Santos foi torturada e morta, em 16 de fevereiro de 2017. Mais de um ano após o crime, sua mãe, Francisca Ferreira de Vasconcelos, chama atenção para o combate à discriminação em depoimento à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (17), Dia de Combate à Homofobia.
Em um relato emocionado, Francisca conta sobre a personalidade da filha e diz confiar em Deus para que os 12 envolvidos na execução sejam punidos.
“Nunca vi Dandara com raiva. Passava na minha rua cachorro, gato perdido ele já dizia ‘eu vou pegar e não sei de quem é, mas vou atrás do dono’. Ele só fazia tudo de bom.”
Francisca Ferreira de Vasconcelos, em depoimento na Câmara dos Deputados
Do grupo de investigados, 2 estão foragidos. Em 6 de abril, 5 dos 8 acusados foram condenados por homicídio triplamente qualificado, por motivo torpe, meio cruel e sem chance de defesa para a vítima. Um deles foi retirado do julgamento por falta de provas. Outros 4 são menores e cumprem medidas socioeducativas.
Diante da dor, a mãe agradece à visibilidade do caso, em busca de evitar novos crimes de ódio.
“Se o vídeo não tivesse vazado, quem iria saber? Quantos já não teriam feito a mesma coisa, depois de Dandara?”
Francisca Ferreira de Vasconcelos, em depoimento na Câmara dos Deputado
A travesti foi espancada em plena rua, em Fortaleza e morta a tiros. As imagens da vítima ensanguentada no chão, sendo xingada e recebendo pauladas e chutes viralizaram 18 dias após sua morte e mobilizou o País.
No relato em audiência pública na Câmara, Francisca relembrou detalhes do crime e criticou a atuação da polícia.
“Os vizinhos ouviram os bandidos falarem ‘vamos queimar ele, que ele não quer morrer’. Colocaram meu filho num carrinho de mão e levaram para uma esquina (…) Foram 20 minutos de ligações [para a polícia] e não compareceu nenhum policial. Meu filho morreu por transfobia e também por negligência da polícia. O pior marginal não merece morrer do jeito que meu filho morreu.”
A cearense lembrou ainda do apoio da sociedade um ano após o crime, na manifestação organizada pelo humorista Paulo Diógenes, que interpreta a personagem Raimundinha. Francisca contou que o sonho da filha era ser uma humorista famosa.
“Houve uma passeata no dia 20 de março, quando completou um ano, da praça Luiza Távora até Palácio do Governo. Era muita gente. Tudo que aconteceu com o meu filho no massacre, as pessoas… crianças, jovens, idosos, iam caminhando no Sol quente e imitavam. Todos se deitaram no calçamento quente para lembrar como meu filho morreu.”
LGBTfobia no Brasil
O assassinato de Dandara é um dos 30 de pessoas LGBTs no Ceará em 2017, segundo a ONG Homofobia Mata, que contabiliza denúncias das famílias e reportagens em veículos de comunicação.
O Brasil é o País que mais mata pessoas LGBT no mundo, segundo levantamentos de organizações. Não há dados oficiais nem um crime específico desse tipo de violência.
Na audiência, entidades cobraram a aprovação de projetos de lei sobre o tema, como o Estatuto da diversidade e outras propostas sobre direito sobre identidade de gênero, casamento igualitário, diretos das famílias em uma perspectiva ampla, criminalização da LGBTfobia, fim de restrições à doação de sangue.
Foi reivindicada também a tramitação do PL 7292/2017, conhecido como Lei Dandara. O texto inclui o LGBTcídio no rol dos crimes hediondos. “Em regra, tais crimes são praticados com uso de extrema violência e crueldade, motivados pelo ódio, menosprezo e discriminação à condição de homossexual ou transgenero”, escreveu a autora da proposta, deputada Luizianne Lins (PT-CE). A proposta aguarda para ser votada na Comissão de Direitos Humanos.
Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, em 2017, 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) foram mortos em crimes motivados por homofobia no Brasil. O número representa uma vítima a cada 19 horas.
Já o relatório Violência Contra Pessoas LGBTI de 2015 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), revela que a média da expectativa de vida de mulheres trans varia de 30 a 35 anos de idade.
A violência contra pessoas trans também é evidente. De acordo com pesquisa contínua feita pela ONG Transgender Europe, o Brasil tem o maior número absoluto de assassinatos de pessoas trans e de gênero diverso. Levantamento mais recente, de outubro de 2015 a setembro de 2016, mostra 123 homicídios desse tipo no País, bem acima do México, que fica em segundo lugar, com 52 mortes.
O Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil em 2017, divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), por sua vez, mostrou que no ano passado 179 travestis ou transexuais foram assassinados.