Pesquisa mostra que parada em São Paulo tem caráter político e é progressista. Dados apontam falta de intersecção entre pautas do público masculino e feminino do evento
(El País, 24/06/2017 – acesse no site de origem)
Uma pesquisa feita na 21ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, realizada no último domingo, 18 de junho, mostrou que os frequentadores do protesto estão bem alinhados quando se trata da defesa de direitos relacionados à comunidade de lésbicas, gays, bissexuais e transgênero: a maior parte (87,5%) defende o ensino do respeito às pessoas LGBT nas escolas, o uso de banheiro feminino por mulheres transexuais (84%) e leis mais duras para o combate à homofobia (79% se disse totalmente a favor).
A pesquisa, realizado pelo coletivo #VoteLGBT, mostra em números o que parece um pouco óbvio, já que tratam-se de questões que afetam diretamente o público LGBT. Mas quando são questionados sobre outras temáticas que não estão direta ou necessariamente ligadas de maneira cabal a esse público, tal engajamento não é percebido da mesma maneira. Perguntados sobre a legalização do aborto, 56% dos entrevistados responderam concordar totalmente. Embora seja pouco mais da metade, ainda é um índice que chama a atenção quando se trata de um público que vai às ruas por direitos ditos progressistas, ou seja, esperava-se um posicionamento maior a favor do aborto. Do outro lado, 16% disseram discordar totalmente da legalização do aborto. No meio, 5% discordam parcialmente, 9% não concordam nem discordam e 14% concordam parcialmente.
Para efeito de comparação, a mesma pergunta feita na Caminhada das Mulheres Lésbicas e Bissexuais, que ocorre um dia antes da Parada e reivindica a visibilidade do público dentro do próprio elemento LGBT, trouxe um resultado bem diferente. Ali, apenas 3% disseram discordar totalmente da legalização do aborto, enquanto 91% concordam totalmente. No meio, discordam parcialmente 2%, não concordam e nem discordam 1% e concordam parcialmente 3%.
O tema da Parada Gay deste ano foiTodas e todos por um Estado laico. A defesa da ausência da igreja para determinar a orientação sexual de cada um também foi lembrada ao longo da Parada, por exemplo, com cartazes onde se lia “meu cu é laico”. Mas talvez essa mesma defesa ostensiva não se aplique ao útero laico. “De fato, as pautas que apresentaram um pouco mais de rejeição foram as sobre o aborto e as cotas para negros em universidades públicas”, reconhece Evorah Cardoso, doutora em direito e uma das coordenadoras da pesquisa.
Para ela, falta “intersecção” entre as pautas defendidas na parada. “Eu vejo como uma janela a ser explorada. Não é à toa que a gente tem uma caminhada das lésbicas em paralelo à Parada LGBT”, diz. “Não tenho conhecimento de nenhum ano em que a parada tenha tido um tema ligado às lésbicas ou à bissexualidade”. Embora frustre quem esperava mais apoio para o assunto, os 56% captados pela pesquisa ainda supera, e muito, o resultado do número feito com os brasileiros de um modo geral. Em um levantamento nacional feita no ano passado, 78% dos brasileiros se disseram contrários ao aborto, segundo levantamento do Ibope.
A Caminhada das Mulheres Lésbicas e Bissexuais ocorre há 15 anos, sempre um dia antes da Parada Gay, no centro de São Paulo. A pesquisa também foi realizada na Caminhada, com as mesmas perguntas que seriam feitas na Parada no dia seguinte.
Caráter político
A pesquisa também procurou traçar o perfil político dos frequentadores e frequentadoras da Parada Gay. A maioria rejeita o rótulo de ser de direita (apenas 5,7% se consideram de direita ou centro-direita), quase a metade (46%) se considera de esquerda ou centro-esquerda e 32% não se consideram nem de esquerda e nem de direita. Os entrevistadores também perguntaram se os frequentadores do ato são anti-petistas e 52% afirmaram que não são “nem um pouco”. Em uma pergunta de múltipla escolha sobre a motivação para ir ao evento, 65,5% afirmaram estar ali para apoiar a causa, enquanto 58% disseram ir para se divertir.
Os pesquisadores enxergam nesses números o caráter político do ato. “As pessoas enxergam a parada como sendo um espaço de festa”, diz Evorah. “Mas quando você ocupa a principal avenida da cidade e beija, faz festa, isso é uma forma de política também e não só de diversão”.
Na Caminhada das Mulheres, os números reforçam mais essa dimensão política: 76% disseram ter ido para defender direitos e 25% para se divertir. A maioria (69,5%) da Caminhada afirmou ser de esquerda, e negou (60%) ser anti-petista. Evorah afirma que por ser um grupo menor e mais homogêneo, a Caminhada acaba por apresentar respostas mais críticas. “A Caminhada leva um passo a mais à crítica, mas é preciso lembrar que é um grupo mais homogêneo de faixa etária, escolaridade e renda maiores do que os da Parada”, ressalta.
Maconha e cotas
Ainda sobre as perguntas que não giram necessariamente em torno dos direitos LGBT, os pesquisadores quiseram saber o que os frequentadores das duas marchas pensam sobre a legalização da maconha para fins recreativos. Na Parada Gay, 61% concordam totalmente com a liberalização, enquanto 79,5% disseram o mesmo na Caminhada. Ainda entre as mulheres da Caminhada, 93% defendem cotas para negros nas universidades públicas e 82% defendem programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Na Parada, esses índices ficaram em 59% e 54%, respectivamente.
A pergunta sobre cotas para mulheres no Legislativo foi a que teve menor adesão tanto na Caminhada, quanto na Parada, mas ainda assim, entre as mulheres o índice foi alto: 77% são a favor, enquanto na Parada Gay a causa tem o apoio de 51% dos entrevistados.
Foram entrevistadas 423 pessoas durante a Parada do Orgulho LGBT e 190 pessoas na Caminhada das Mulheres Lésbicas e Bissexuais. Em relação à Caminhada, a margem de erro é de 7,1 pontos, e à Parada, é de 4,8 pontos para mais ou para menos.
Marina Rossi