(G1, 10/04/2016) Detida há 1 ano em SP, Verônica Bolina teve fotos seminua vazadas na web. Mãe e amiga de maquiadora divulgaram correspondências dela ao G1.
“Só quero minha vida de volta”, declarou a travesti Verônica Bolina, que neste domingo (10) completa um ano presa. Ela é acusada de tentar matar uma idosa, agredir uma transexual e uma mulher, brigar com policiais militares e ainda arrancar a orelha de um policial civil em São Paulo. A declaração da maquiadora está numa das cartas que escreveu para a mãe. De dentro da prisão, também se corresponde com uma amiga. As duas moram no interior do estado.
A mãe de Verônica, a funcionária pública Marli Ferreira Alves, que mora em Mococa, e a amiga da travesti, a transexual Ágata Lima, empresária do ramo de beleza em Ribeirão Preto, forneceram cópias de algumas dessas correspondências ao G1. A equipe de reportagem não conseguiu entrar em contato com a presa.
A travesti de 26 anos nasceu como Charleston Alves Francisco, mas usa o nome social de Verônica Bolina. As cartas foram escritas por ela no ano passado e neste ano dentro do Centro de Detenção Provisória (CDP), em Pinheiros, Zona Oeste da capital. Detida preventivamente, a maquiadora aguarda seu julgamento, ainda sem data prevista.
Apesar de ter agredido mais de cinco pessoas, Verônica ficou conhecida publicamente como vítima nas redes sociais. Isso porque em abril de 2015 fotos da maquiadora, com cabelos curtos, sem peruca, o rosto inchado, roupas rasgadas, descalça e os seios nus, enquanto estava presa, com pés e mãos algemadas e era vigiada por policiais armados, vazaram na internet e acabaram compartilhadas no Facebook e WhatsApp. As imagens mostravam que ela havia sido detida novamente após arrancar a orelha de um carceiro.
O Ministério Público (MP) apura se ela foi torturada. Para a Defensoria Pública há indícios de tortura. Grupos LGBTTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) criticaram a exposição e criaram grupos de apoio na web, como o #somostodosveronica, que pedia a punição de quem tirou e compartilhou as imagens, além da libertação da presa.
Cartas à mãe
Sobre a prisão, Verônica escreveu em 9 de novembro de 2015: “Parece que esse inferno não vai acabar nunca”. A carta foi enviada à sua mãe.
“Minha filha estava endemoniada quando agiu daquele jeito”, disse Marli, em entrevista ao G1, sobre as agressões cometidas pela filha. “Ela tem de pagar pelo que fez, mas não pode ser humilhada como foi, como quando tiraram foto dela nua e colocaram na internet.”
De acordo com a Justiça, Verônica está presa porque é perigosa e cometeu crimes graves. A ré seria submetida a exames de insanidade mental e de dependência química para saber se estava fora do seu juízo normal ou sob efeito de drogas quando bateu em diversas pessoas.
“Esses dias surtei aqui [sic] muito tempo trancada [sic] ai pirei [sic] fui parar num hospício pra loucos”, escreveu a travesti em 26 de julho de 2015 em outra correspondência à Marli, que afirmou ainda não ter tido “coragem” de visitar a filha. Ela não quer ver Verônica presa.
Nas cartas, a maquiadora demonstra culpa e compaixão. “Acabei com a minha vida” e “perdoai os que querem meu mal e orai por eles Maria” são frases escritas por ela.
Cartas à amiga
Quem também recebeu correspondências de Verônica foi a transexual Ágata Lima, que atua ainda como palestrante em direitos humanos com enfoque na população LGBTTT. “Tenho visitado ela na prisão, a acompanhado lá para saber como está, se precisa de algo”, disse a ativista. “Ela sempre me escreve e eu respondo.”
Na troca de correspondências entre as amigas, Verônica escreveu em 25 de fevereiro deste ano que também pretende lutar pelos direitos das lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. “Estou esperando tudo se resolver da melhor maneira pois somos responsáveis por nossas ações”, comentou a travesti na carta à Ágata. “Quando tudo isso se resolver [sic] teremos motivos pra lutar e fazer alguma coisa muito boa pro mundo LGBT.”
A maquiadora mostrou resignação na carta. “Nossa [sic] realmente posso disser [sic] que mudei muito como ser humano e estou procurando mais agir com sabedoria, visibilidade e comprienção [sic] coisa que minha emoção não deixava eu ver”.
Verônica também contou à amiga situações curiosas que está vivendo no cárcere. “Estou lendo mais coisa que nunca fazia, juro é muito bom [sic] as vezes um saco (risos) mais [sic] nos deixa mais inteligentes”, redigiu. “Os assuntos aqui com as outras meninas são fúteis e vazios [sic] então fico mais na minha [sic] sozinha meditando”.
Num dos trechos da carta, Verônica comentou sobre seu cabelo, que gerou polêmica porque internautas acharam que ele teria sido raspado pelos policiais. Na verdade, a maquiadora usava uma peruca com cabelos longos, que caiu após ela brigar com a vizinha e outras pessoas. “Comigo está tudo bem [sic] fica tranquila [sic] estou até de black power (risos).”
Uma das frases escritas pela travesti mostra que ela está arrependida pelos crimes que cometeu. “Sei que vivemos em um pais que todo [sic] acaba em pizza mais [sic] temos que aprender a confiar em Deus e aprender que temos que pagar pelos nossos erros para evoluirmos.”
O caso
Verônica foi detida por policiais militares no dia 10 de abril de 2015 após denúncia de que tentou matar uma vizinha idosa, e agredir uma transexual e uma mulher. Depois, no dia 12 daquele mesmo mês e ano, mordeu e arrancou de um carcereiro dentro do 2º DP.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou à época que policiais da delegacia negaram qualquer agressão à travesti, e que ela apanhou de presos ao se masturbar na frente deles. Em seguida, um carcereiro foi tentar ajudá-la, mas foi mordido por ela, que lhe arrancou parte da orelha, segundo a polícia.
Kleber Tomaz e Glauco Araújo
Acesse no site de origem: ‘Só quero minha vida de volta’, diz em carta travesti presa por morder policial (G1, 10/04/2016)