(G1, 15/07/2015) Jornalista fez entrevistas por 5 anos para escrever ‘Presos que menstruam’. Nana Queiroz ficou conhecida pela campanha ‘Não mereço ser estuprada’.
Um ano após organizar a campanha “Não Mereço Ser Estuprada”, a jornalista de Brasília Nana Queiroz, de 29 anos, lançou nesta semana um livro que pretende dar voz às mulheres que vivem nos presídios do país. Segundo a autora, “Presos que Menstruam” é um romance de histórias reais que joga luz sobre as condições “brutais” dos presídios femininos, que para ela, se assemelham a “masmorras medievais”.
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Nana ganhou notoriedade após tirar foto de topless em frente ao Congresso Nacional contra pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) que apontava que uma grande parcela das pessoas concordava com a afirmação “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” (na divulgação dos dados, o instituto disse que 65,1% concordavam inteiramente ou parcialmente com o enunciado, mas oito dias depois corrigiu a informação; o percentual correto era 26%).
O protesto se espalhou pelas redes sociais, com fotos de homens e mulheres reproduzindo a frase em fotos pessoais. Pelo Twitter, ela disse que foi ameaçada de estupro devido à repercussão da campanha e recebeu a solidariedade de Dilma.
A autora conta que, para conseguir entrar nos presídios e entrevistar mais de cem pessoas em cinco anos de trabalho, ela se aproximou de parentes de presidiárias, trocou correspondência com presas, fez amizade com médicos da enfermagem e se ofereceu para trabalhos voluntários. Nesse período, ela afirma ter ouvido relatos de mulheres que tiveram filhos algemadas, se revezavam em pé para dormir em celas superlotadas, foram torturadas enquanto grávidas e separadas dos filhos assim que eles nasceram.
No livro, Nana foca em sete personagens que representam o universo nos presídios femininos e conta episódios vividos por elas, como lesbiandade temporária, tortura, suicídio, gestação e maternidade. Ela afirma que as presas recebem tratamento semelhante em brutalidade ao dado aos homens nas prisões.
“As mulheres usam miolo de pão como absorvente porque eles não dão. E dão a mesma quantidade de papel higiênico para homem como para mulher. Então a mulher tem que usar jornal, resto de pano rasgado e miolo de pão, que incha igual O.B. [absorvente interno]. Depois tira e joga fora”, disse.
Presidiárias
Nana conta que teve uma identificação especial com uma das presidiárias, apelidada de “Safira” no livro. “Percebi que éramos tão parecidas que, se eu tivesse vivido a vida dela, e ela a minha, era possível que a gente estivesse ali naquela mesma mesa”, diz. “Ela era uma menina como eu, muito sonhadora, muito guerreira, tinha muita vontade de ter um grande amor, mas ao mesmo tempo, era muito dona de si e achava que a condição de mulher não a diminuía e queria desbravar terrenos masculinos.”
Safira foi obrigada pela mãe a se casar aos 14 anos com um homem mais velho, com quem perdeu a virgindade. “Eles tiveram dois filhos e ele batia nela horrorosamente e nas crianças. Ela decidiu fugir, mas trabalhava 12 horas por dia em um supermercado. Na época, o salário mínimo era entre R$ 400 e R$ 500, e ela pagava R$ 180 só no barraco em que vivia na favela e não conseguia sustentar os filhos. As crianças começaram a chorar de fome, ela pediu uma arma ao vizinho, que era criminoso, e foi assaltar.”
Para Nana, a história de Safira é igual a de milhares de presidiárias do país que sofrem violência doméstica, têm o ensino fundamental incompleto, ganham um salário mínimo ou menos e têm filhos para cuidar sozinhas.
“É claro que não estou dizendo que, para toda mulher pobre do mundo a solução é roubar. É compreensível, mas não é justificável. Mas quando você entra em contato com as pessoas, percebe que o sistema carcerário não é feito de monstros. São pessoas que, em situações difíceis, fizeram escolhas erradas. Mas são gente como a gente.”
“Apenas 6% a 8% das presidiárias cometeram crimes contra a pessoa. O resto, são crimes para complemento de renda – a maioria por tráfico, furto, roubo. Geralmente são mulheres muito pobres que estão fugindo muitas vezes de violência doméstica, são mães solteiras, e acabam achando no crime a única forma de complementar a renda da família.”
Nana afirma que não pretende vitimizar as mulheres presas, mas enxergá-las e buscar soluções para que elas sejam tratadas com dignidade e consigam ser reinseridas na sociedade. “Ninguém é vítima. Ninguém é preso porque é vítima. A pessoa está presa porque tomou uma decisão errada em uma situação difícil”, diz. “Estou pensando na sociedade. Elas vão sair. Elas vão estar melhor ou pior? Estaremos mais seguros? Onde isso vai nos levar como sociedade? E as crianças que são torturadas na barriga das mães ou no colo das mães? O que elas vão ser quando crescerem? Estamos criando sociopatas. Não é inteligente.”
Campanha antiestupro
Nana conta que no dia que tirou a foto do movimento “Não mereço ser estuprada”, tinha acabado de sair da Colmeia, como é conhecido o presídio feminino no DF. “Fui às 4h na romaria junto com as famílias, peguei um ônibus na rodoviária, fui humilhada na revista, passei por perrengues”, diz.
“Era para sair às 12h, mas o carcereiro decidiu que ia fechar a porta porque estava na hora dele almoçar. Uma senhora começou a chorar porque era empregada e tinha que ir para o trabalho, corria o risco de ser demitida.”
“Como sou encrenqueira, me senti na obrigação de defender a senhorinha, que tinha dificuldade de comunicação. Falei para o carceireiro: ‘Por favor, essa mulher vai perder o emprego, vocês não têm coração, não?’ O cara falou: ‘Desacato não vai resolver nada. Você também vai ficar presa por três horas.’ Fiquei enfurecida, achei tão injusto. Cheguei no trabalho atrasada, reclamando como o mundo é injusto e meu chefe disse: ‘É porque você não viu o resultado da pesquisa do Ipea’. Foi então que li e fiz o “Não mereço”. Fiquei tão brava que queria me revoltar contra o sistema e como tratavam as mulheres. O “Não mereço” foi filho da Colmeia.”
Isabella Formiga
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