Mulheres são mais propensas a ter seus sintomas invalidados por profissionais de saúde

Doctor and patient.

Foto: Freepik

07 de abril, 2025 Folha de S. Paulo Por Giulia Peruzzo

Conceito chamado ‘gaslighting médico’ envolve negligência, julgamentos e até manipulação em consultas e procedimentos

Você resolve ir ao consultório médico após dias – ou até meses – sentindo uma dor aguda. Essa não é primeira vez que busca ajuda, mas no último atendimento disseram que a dor iria passar logo. Depois de enfrentar horas na sala de espera, o profissional mal encosta em você antes de dizer que não há nada de errado, e que provavelmente é estresse ou algo da sua cabeça.

Esse cenário é hipotético e pode ser eventual, mas não fantasioso. Situações assim, que envolvem negligência dos sintomas e, em casos mais raros, até a intenção de manipulação por parte do profissional de saúde, têm sido associadas ao conceito de gaslighting médico.

O termo gaslighting se popularizou na internet nos últimos anos e tem relação direta com a violência de gênero. É comumente usado no contexto de relacionamentos para falar de comportamentos de manipulação psicológica que fazem a vítima desacreditar de si.

No contexto médico, o gaslighting também tende a afetar mais as mulheres e pode configurar uma forma de violência de gênero, aponta a advogada Victória Carneiro, autora do livro “Gaslighting Médico: entre a vida e a morte.”

Em seu livro, ela destaca as áreas de saúde mental e obstetrícia dentre as que estão mais suscetíveis à negligência. No caso das mulheres, inclui situações de associação de sintomas à instabilidade e à loucura, violência obstétrica e minimização das dores do parto e de doenças do aparelho reprodutivo.

Victória Carneiro destaca que este cenário reflete a forma na qual sistema de saúde está organizado, com consultas cada vez mais rápidas e superficiais. “Tudo fica muito automático e perde-se esse contato com o paciente”, explica.

Mulheres negras e LGBTQIA+ têm ainda mais chances de sofrerem a violência, principalmente pelos preconceitos estruturais que enfrentam diariamente.

Nessette Falu, professora de estudos africanos na Universidade do Texas em Austin, fez uma pesquisa sobre racismo ginecológico com mulheres negras e lésbicas brasileiras. Publicado no livro “Unseen Flash”, o estudo mostra experiências negativas em consultas ou procedimentos ginecológicos, cenário que faz com que muitas mulheres deixem de frequentar médicos.

O histórico de experiências negativas faz com que as próprias mulheres se questionem sobre a validade de seus sintomas.

“Elas não sabem mais no que acreditar porque estão constantemente sendo ditas que o que estão experienciando não é real”, explica Chelsea Carter, professora de saúde pública no departamento de ciências sociais e comportamentais da Escola de saúde Pública da Universidade de Yale.

Ela explica que estereótipos que fazem com que as mulheres sejam rotuladas como histéricas, ansiosas e estressadas. Essa crença seria algo estrutural do sistema, perpassando também a formação técnica e acadêmica.

Letícia Francisco, 26, passou por uma situação deste tipo durante seu tratamento com quimioterapia. Quando recebeu o diagnóstico de linfoma de Hodgkin em 2019, se consultou ainda no hospital com uma nutricionista para receber orientações do que podia ou não comer nessa fase do tratamento.

“Eu tinha uma sensação de estar com fome, querer vomitar e estar tonta ao mesmo tempo. Então você não sabe muito bem o que você quer. Eu ficava me sentindo cheia. E aí, do nada, vinha a fome bizarra que eu não entendia muito bem”, conta. Quando perguntou para a profissional se isso era normal, ela prontamente respondeu que era devido à ansiedade de Letícia.

Ela diz ter estranhando, porque nunca se considerou uma pessoa ansiosa. Ela não questionou, mas pensou que deveria confirmar com a terapeuta: “Eu acho que ela é mais indicada para saber sobre o meu estado psicológico do que uma nutricionista com a qual eu falei durante meia hora”.

No fim, não só a psicóloga de Letícia afirmou que ela não era ansiosa, como a enfermeira que a acompanhava explicou que o que ela estava sentindo era comum em pacientes em quimioterapia.

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