(Forbes, 03/06/2016) Em entrevista à FORBES Brasil, Gabriela Mansur, promotora de Justiça no Ministério Publico do Estado de São Paulo, fala sobre os tipos de violência contra a mulher mais recorrentes, sobre os avanços na lei e sobre o que ainda precisa mudar.
Gabriela foi coordenadora do grupo de combate a violência contra a mulher do Ministério Publico do Estado de São Paulo por seis anos. Atua na Grande SP há dois anos e atualmente faz parte do grupo de enfrentamento à violência doméstica. Ganhou a medalha Ruth Cardoso e foi eleita uma das mulheres mais influentes no tema empoderamento feminino e combate à violência contra a mulher.
1.Quais são os principais casos hoje em dia que chegam para a Promotoria de Justiça da Mulher?
São casos onde o homem não se conforma com o fim do relacionamento e de alguma forma causa vários transtornos a vida da mulher. Seja por violência física, moral ou psicológica. Eles não conseguem entender essa liberdade de escolha da mulher em relação aos seus parceiros/companheiros. É um relacionamento abusivo, violento. Eles são capazes de perseguir essas mulheres, não só fisicamente, como também nas redes sociais. Eu tenho alguns casos muito graves, em que essas mulheres acabam sendo agredidas, violentadas sexualmente, acabam constrangidas a fazer sexo contra a vontade.
2.Como é a receptividade da lei Maria da Penha no Brasil?
Hoje a mulher tem muito mais credibilidade no sistema judicial e consegue procurar proteção e ajuda mais rapidamente do que antes. Eu percebo que as meninas, as jovens, as mulheres mais novas, em uma primeira demonstração de violência psicológica, moral, já procuram acionar a Justiça e isso se deve ao fato do grande investimento de políticas públicas no tema Violência Contra a Mulher no Brasil. A lei Maria da Penha é considerada a 3ª do mundo, a de maior expressividade na defesa dos direitos da mulher. Hoje em dia, com a lei do feminicídio, caso a mulher sofra uma tentativa de violência fatal, pelo simples fato de envolver mulher, o crime já é qualificado, considerado hediondo, por sua própria natureza. Ainda assim, o Brasil é o 5º país do mundo com maior índice de mortes violentas de mulher.
3.Como podemos dividir os tipos de violências?
A física ainda ganha como maior índice, em torno de 55%. Depois vem a violência psicológica, que hoje em dia gira em torno de 30%. Muitos homens impedem a mulher de sair de casa para que ela não trabalhe, por ciúmes ou por não querer que essa mulher ganhe autonomia e ande com suas próprias pernas. Há também muitos casos de violência sexual, que giram em torno de 7,5%. Infelizmente, os casos de violência sexual são cometidos por pessoas que estão no relacionamento familiar dessa vítima. Contra meninas menores de 14 anos, em que esses crimes são cometidos pelo padrasto, pelo pai, pelo irmão, pelo primo, pelo avô, pelo vizinho. E nós temos também a violência patrimonial, que gira, hoje em dia, em torno de 2,5 e 3%. Trata-se da diminuição proposital do patrimônio da mulher.
4.Quais são as três grandes classes de mulheres que sofrem violência?
São três grandes grupos: a violência contra a mulher jovem, que inclui os abusos sexuais cometidos por pessoas do núcleo familiar. Temos também a violência contra as mulheres adultas, que aí inclui a violência física, a violência psicológica, a violência cometida pela internet. E temos também agora uma classe, um grupo que vem crescendo, que é a violência contra a mulher mais velha, contra a mulher idosa, cometido pelos filhos que geralmente estão sob o efeito ou com grande dependência de álcool e drogas.
5.Quais outros casos chamam a sua atenção?
A pornografia de revanche, em que as pessoas têm um relacionamento e trocam fotografias íntimas ou permitem filmar a relação sexual. Quando se rompe o relacionamento e o homem não se conforma, começa a ameaçar via internet, publicando em redes sociais vídeos e fotos íntimas, além de conversas apimentadas entre o casal. Isso expõe muito a mulher, há um prejuízo moral muito grande, quase que irreparável. Há certa dificuldade também de identificar com rapidez de onde surgiram essas postagens e uma dificuldade também de retirar em tempo hábil essas publicações do ar. Nesses casos, os crimes são de injúria ou difamação, são crimes contra a honra.
6.O que é necessário ser feito, na sua opinião para melhorar a situação atual?
Há a necessidade de uma reforma legislativa ou da criação de uma lei que criminalize essas condutas, acompanhando a evolução tecnológica. O nosso código penal é de 1940, e esses crimes eram tidos contra a honra e geralmente eram cometidos por carta. Hoje em dia, o efeito devastador é muito maior de uma publicação em uma rede social, devido a rapidez da internet. Portanto, há necessidade da elaboração de uma lei que preveja esses crimes cometidos na rede.
7.O que você pode nos dizer sobre a conquista dos direitos da mulher nesses últimos tempos?
O envolvimento das jovens na luta pela transformação dos direitos da mulher representa um grande avanço. Estas mulheres lutam pela igualdade de gênero e pela ocupação de todos os espaços possíveis, com igualdade de condições. Nós chamamos de novo feminismo: meninas que reconhecem já os seus direitos e lutam por eles, não admitindo nenhum tipo de violação. Essas meninas se organizam em coletivos feministas nas escolas, nas universidades, nos cursinhos e vão à luta. Nós não podemos admitir nenhum tipo de retrocesso, porque cada direito conquistado equivale a muita luta, equivale a muitas conquistas, inclusive mulheres que deram suas vidas pelos direitos de outras mulheres. Eu não posso deixar de ressaltar a importância de se trabalhar com os homens. Não adianta só incentivar a mulher a romper com o silêncio, a procurar o sistema judicial, a quebrar o ciclo da violência, se nós não trabalhamos com o autor dessa violência. É preciso que eles se responsabilizem pelos atos que cometeram, recebam uma punição por isso, mas também sejam acompanhados. Infelizmente, devido a falta de informação, muitos deles nem sabem que o que estão cometendo é violência.
8. Conte-nos sobre o projeto Tempo de Despertar.
Nós realizamos um projeto piloto em Taboão da Serra (Grande SP), com ressocialização e reeducação do autor de violência contra a mulher, e tivemos um grande resultado. Esse projeto inclui palestras expositivas e dialogadas entre 40 homens que cometeram violência contra a mulher e estão sendo processados. São dadas noções de feminismo, direitos da mulher, informações sobre a lei Maria da Penha, crimes de violência contra a mulher, sexualidade, sociedade patriarcal, injustiças e machismo, entre outros assuntos. Os presentes também são avaliados se necessitam de uma assistência social ou na área da saúde. Desses quarenta homens que participaram por aproximadamente quatro meses, apenas dois deles voltaram a cometer atos de violência.
Fabiana Saad
Acesse no site de origem: “Não podemos admitir retrocesso em relação à mulher”, diz promotora (Forbes, 03/06/2016)