Nota Pública do Consócio da Lei Maria da Penha e Instituto Maria da Penha sobre os projetos de lei PL 11/2019 e PLC 94/2018

14 de março, 2019

O Consórcio Lei Maria da Penha pelo Enfrentamento a Todas as Formas de Violência de Gênero contra as Mulheres e o Instituto Maria da Penha vêm a público manifestar sua discordância com os projetos de lei PL 11/2019 e PLC 94/2018, que pretendem alterar a Lei Maria da Penha (LMP), pelos motivos a seguir:

(Consórcio Lei Maria da Penha, 14/03/2019 – acesse no site de origem)

1. Consideramos relevante parlamentares apresentarem proposições legislativas fundamentadas na preocupação em agilizar a concessão das medidas protetivas de urgência. No entanto, ponderamos que projetos como esses são ameaças à LMP e que, conforme argumentado a seguir, não são necessários e alteram a LMP de forma pontual, podendo descaracterizar a norma e trazer prejuízo ao atendimento das mulheres desde a perspectiva integral, intersetorial e multidisciplinar prevista na lei.

2. Apesar da preocupação, lembramos que as medidas previstas nos projetos já foram abordadas no PLC 07/2016, cujos artigos 10-A e A-12 foram aprovados pelo Congresso Nacional, e o art. 12-B, de mesmo teor dos PLs 11/2019 e 94/2018, foi vetado pelo então Presidente Temer.

3. Além do Consórcio e do Instituto Maria da Penha, em 2016 diversas instituições manifestaram-se a respeito do PLC 07/2016, a saber: AMB; OAB; CONDEGE; CONAMP; CNPG; PFDC; FONAVID e COPEVID apresentaram, por meio de Notas Técnicas, discordância em relação ao conteúdo do art. 12-B do PLC 07/2016. Ou seja, à exceção dos Delegados de Polícia, todas as instituições jurídicas opinaram contrariamente ao artigo em comento.

4. Há diversas razões pelas quais consideramos inadequada a inserção de um art. 12-B, para conceder à autoridade policial atribuição para a concessão de medidas protetivas, dentre elas: a sua inconstitucionalidade, uma vez que pretende transferir atribuições próprias do Poder Judiciário à autoridade policial, conferindo a esta a possibilidade de decidir sobre medidas que restringem direitos dos cidadãos. A precariedade de recursos humanos e materiais das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres – DEAMs e das Delegacias Comuns, conforme diagnosticou a CPMI da Violência contra a Mulher, em seu relatório final aprovado em 2013.

Além disso, há insuficiência de capacitação para os profissionais lidarem com a violência contra as mulheres com base no gênero, incluindo a violência doméstica e familiar, devido à carência de cursos específicos por falta de recursos ou vontade política dos governantes. A atual crise enfrentada por muitos estados torna a situação ainda mais preocupante. Muitos servidores das instituições de segurança pública estão com salários atrasados, concursos públicos não são realizados, ausência de informatização na rotina de trabalho, recursos materiais, tais como viaturas, coletes e até mesmo papel em muitas delegacias foram reduzidos, dentre outras carências, tornam o trabalho policial pouco efetivo. Nesse sentido, seria mais produtivo que os e as parlamentares investigassem o sucateamento da atividade policial garantindo a observância dos dispositivos contidos no Capítulo III, Título III – Do Atendimento pela Autoridade Policial, da LMP.

5. Destacamos também que, a atuação da Segurança Pública prevista na Lei Maria da Penha não se limita ao trabalho das Delegacias da Mulher, mas prevê a capacitação para Policiais Militares e Guardas Municipais para que possam agir preventivamente, inclusive na fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência. E nesse sentido, seria importante que projetos de regulamentação da LMP tivessem previsão de ampliação da capacitação dos profissionais da segurança pública no atendimento às mulheres em situação de violência.

6. Relevante lembrar, ainda, que a LMP já confere à autoridade policial atribuições muito importantes para garantir proteção e aplicar medidas vigorosas e efetivas em prol das mulheres, especialmente as previstas no art. 11, inciso I, não sendo necessário pleitear modificação de atribuição para concessão das medidas protetivas cujas raízes escapam à área de segurança pública. Portanto, diante de todas as previsões legais existentes, nos perguntamos se não está faltando uma leitura mais atenta e adequada das atribuições já conferidas pela lei à polícia.

7. Outro dado preocupante é que desde 2016 as mulheres brasileiras têm vivenciado a redução dos serviços previstos na Lei Maria da Penha e no Plano Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. De acordo com a ONU Mulheres, dados de dezembro de 2017 já alertavam que dos 256 CEAMs existentes até 2016, as mulheres brasileiras contavam apenas com 228, das 95 casa-abrigos restavam 58 e das 504 DEAMs restavam 449. Essa situação pode ser mais grave, tendo em vista a continuidade da redução dos recursos orçamentários aportados em 2018.

8. Embora as Delegacias da Mulher desempenhem um papel significativo e são comumente atribuídas como a “porta de entrada” na rede de atendimento, isso acontece porque outros serviços são inexistentes. Nesse sentido, recursos destinados à rede de serviços devem ser priorizados. Por isso, o melhor seria que o Congresso Nacional aprovasse o Projeto de Lei 7371/14 (PLS 298/2013), que cria o Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, proposto pela CPMI da Violência Contra a Mulher, para ampliar a rede de atendimento às mulheres e diminuir o volume de procedimentos nas delegacias, o que também contribuiria para evitar a prescrição de inquéritos policiais.

Por todo o exposto, consideramos inadequada e temerária a alteração proposta nos PLs 11/2019 e 94/2018, e, por isso, solicitamos que o Congresso Nacional rejeite as referidas propostas e priorize a tramitação das proposições apresentadas pela CPMI; e, por fim, conclamamos à polícia a utilizar as atribuições que lhe são conferidas nos arts. 10-A e 11 da LMP, para de fato, proteger as mulheres.

Brasília, 13 de março de 2019.

O Consórcio é formado pelas ONGs Feministas CEPIA, CFEMEA, CLADEM, THEMIS, ativistas e pesquisadoras que atuam em defesa dos direitos das mulheres. O Consórcio elaborou o anteprojeto de lei de enfrentamento à violência doméstica que culminou na aprovação da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

AMB (Associação de Magistrados do Brasil); OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), CONDEGE (Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais), CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público); CNPG (Conselho Nacional dos ProcuradoresGerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União); PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) FONAVID (Fórum Nacional dos Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher) e COPEVID (Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Ministério Público).

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