25/03/2012 – Ataques com ácido mudam vida de paquistanesas

26 de março, 2012

(Melissa Becker/Especial para Terra, direto de Birmingham) “Levou um segundo para arruinar minha vida completamente”. Por trás do véu, Zakia, 39 anos, esconde marcas definitivas de um crime. Furioso com a entrada do pedido de divórcio, o marido jogou ácido no rosto da mulher e, desfigurada, ela passou a engrossar o número de vítimas desse tipo no Paquistão.

Sua história é um dos casos retratados em Saving Face, vencedor do Oscar de documentário em curta-metragem neste ano. O filme, que estreou no canal HBO nos Estados Unidos no Dia Internacional da Mulher, será exibido nos dias 28 e 29 de março no Reino Unido, durante o Human Rights Watch Film Festival. Além de Zakia, o documentário mostra o caso de Rukhasana, 23 anos – atacada pelo marido e pelos parentes dele -, a luta das sobreviventes por justiça e o trabalho para a reconstrução de seus rostos pelo cirurgião plástico Mohammad Jawad, por meio da ONG Islamic Help, situada em Birmingham, região central da Inglaterra.

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Entidades que ajudam sobreviventes estimam que o número de mulheres atacadas com ácido por maridos ou por familiares chegue a 400 por ano, mas a maior parte permaneceria obscura, explica John Morrison, presidente da Acid Survivors Trust International (ASTI), em entrevista ao Terra. Segundo ele, 150 novos casos foram registrados em 2011 pela Acid Survivors Foundation Pakistan (ASF-P), um aumento em relação aos anos anteriores – o que não significa que o crime teria se tornado mais frequente, mas que a presença de uma organização estimularia o registro desse tipo de crime, observa.

Perfil de agressores e vítimas
No Paquistão, os autores dos ataques seriam, em geral, homens. A maioria das sobreviventes, mulheres com pouca instrução, de áreas rurais, mas algumas de Karachi, uma das maiores cidades do país de 165 milhões de habitantes. Entre 2007 e 2009, dos pacientes da ASF-P, 55% eram mulheres, 27% crianças e 18% homens. Os motivos variam: vingança por um pedido de casamento negado, suspeita de adultério, ciúmes entre esposas de um mesmo marido.

Para Sharmeen Obaid-Chinoy – que conquistou o primeiro Oscar para o Paquistão na direção de Saving Face (ao lado do americano Daniel Junge) -, essas mulheres são as integrantes mais oprimidas da sociedade de seu país, mas ela mesma cita no site do filme que nunca foi submetida a preconceito de gênero no Paquistão. Haifaa Jawad, especialista em estudos islâmicos e do Oriente Médio da Universidade de Birmingham, observa que a posição da mulher no Paquistão não é monolítica.

“Acredito que há diferenças entre a mulher na sociedade urbana e na rural, com problemas relacionados a classes, educação e economia. Há poucas com boa educação e, de outro lado, mulheres que não tiveram muito estudos e, em consequência, sua posição é diferente. Ataques com ácido é uma das formas de violência contra a mulher que ocorre no Paquistão. Pode haver muitas razões, mas nenhuma é aceitável”, comenta Haifaa.

Para os realizadores do filme, a disponibilidade de ácidos usados em manufatura e processamento de algodão e borracha é a principal causa dos ataques. Morrison aponta que o cenário no Paquistão inclui leis inadequadas e falha em cumprir as que existem, desigualdade entre os sexos – com as mulheres sendo muitas vezes consideradas um bem descartável da família -, falta de conhecimento das vítimas sobre seus direitos e corrupção da polícia pelos autores do crime. Hospitais e delegacias ainda falhariam em preencher os registros adequadamente (sem categorizar, por exemplo, se foi acidental ou proposital), o que deixa autoridades e governo sem noção do tamanho do problema.

Paquistanesas comemoraram em dezembro uma vitória: a aprovação do projeto de lei sobre controle de ácido e prevenção de crimes com o produto na Assembleia Nacional. A punição prevista é uma pena de, no mínimo, 14 anos de prisão ou perpétua, além de uma multa de até 1 milhão de rúpias paquistanesas (quase R$ 20 mil).

Crime ocorre em outros países
Para o diretor de desenvolvimento internacional da Islamic Help (mencionada na versão britânica do documentário), Kamran Fazil, ao colocar o holofote sobre o problema, o Oscar para o filme Saving Face gera dois efeitos. Se por um lado, significa uma grande exposição ao trabalho feito para ajudar essas mulheres, por outro, surgem interpretações imprecisas.

“Primeiro, dá a impressão de que acontecem ataques com ácido no Paquistão em todo o lugar. Segundo, que é uma questão islâmica, o que não é verdade, e, terceiro, pode gerar copycats (cópias de ataques). Não é nossa culpa, é a percepção das pessoas. Mas o filme ainda mostra histórias de sucesso, como o trabalho das ONGs, de advogados locais e até do governo”, pondera.

O presidente da ASTI reforça que esse tipo de violência não se caracteriza por credo, cultura ou continente – acontece em todo o mundo. “Frequentemente, porque os relatos não são oficiais, são suprimidos ou são negados, não podemos dar uma declaração definitiva, mas temos convincentes evidências de ataques no Sri Lanka, Oriente Médio – especialmente Afeganistão e Irã -, África Subsaariana, incluindo Uganda, Malawi e Nigéria, e sudeste da Ásia, como Laos, Vietnã e Cambodia -, aponta Morrison.

Saiba mais:
Saving Face – www.savingfacefilm.com
Islamic Help – www.islamichelp.org.uk
ASTI – www.acidviolence.org
ASF-P – acidsurvivorspakistan.org

Acesse em pdf: Problema complexo, ataques com ácido mudam vida de paquistanesas (Terra – 25/03/2012)

Leia também: Vítima de ataque com ácido se suicida e levanta polêmica no Paquistão (Opera Mundi – 28/03/2012)

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