(Agência Câmara) O silêncio que, muitas vezes, envolve os casos de violência de gênero, especialmente a sexual, obriga um olhar atento dos profissionais de saúde, educação e assistência social em contato com as vítimas.
Mais de 70 mil vítimas de violência física, psicológica ou sexual foram atendidas pelos serviços de saúde em 2011 em todo o País. Mas as vítimas têm dificuldades e inseguranças ao procurar a ajuda de um profissional de saúde. Ainda há muito a ser feito para melhorar o acolhimento dessas mulheres.
Foi o caso da cearense Helena Damasceno, que sofreu durante anos, na infância e adolescência, abusos sexuais por parte do tio. A situação causava dor, vergonha, culpa. Uma confusão de sentimentos difícil de ser resolvida em silêncio por uma menina. Somente há poucos anos, já adulta, Helena começou a se questionar sobre os abusos. Incentivada por uma psicóloga, criou um blog na internet. A experiência deu tão certo que virou um livro, “Pele de Cristal”, no qual a autora conta as várias facetas de quem passa por violência sexual.
“Eu nunca pensei em denunciá-lo, enfrentar [o agressor]. Quando eu começo a entender melhor o meu processo e, aí, compreendo que é necessária a denúncia, inclusive para que ele seja responsabilizado, para que coisas se ajustem, eu não posso mais fazer a denúncia porque o crime caducou”, conta Helena.
“Hoje, com minha atuação política, social, de contribuir para a desconstrução dessa violência sexual de forma geral, eu acho que minha melhor vingança é ser feliz”, afirma Helena. “Acreditem: é possível viver sem os fantasmas, sem o medo, sem a culpa. Existe vida fora da violência sexual.”
Notificação dos casos
O silêncio que, muitas vezes, envolve os casos de violência de gênero, especialmente a sexual, obriga um olhar atento dos profissionais de saúde, educação e assistência social em contato com as vítimas. No Brasil, desde 2003, a Lei 10.778/03 obriga, por exemplo, que a rede pública e privada de saúde reporte ao Ministério da Saúde os casos de violência contra a mulher. Em 2011, mais de 70 mil casos foram registrados no Sistema Nacional de Informação de Agravos de Notificações.
Em Brasília, os dados são centralizados no Núcleo de Estudos e Programas na Atenção e Vigilância em Violência, da Secretaria de Saúde do DF. Segundo a chefe do núcleo, Lucy Mary Stroher, as equipes das unidades de saúde passam por constante capacitação para reconhecer os casos e preencher corretamente as fichas de notificação, mesmo quando a vítima não confirma a violência.
“Uma notificação não é muito fácil pela questão de a mulher não querer se colocar na situação de violência”, explica Lucy. “Como a gente tem também veiculado na mídia muita informação em relação às violências contra a mulher e os direitos da mulher, elas têm procurado se posicionar diferente, e os profissionais também estão mais capacitados para perceber.”
Um exemplo, segundo Lucy, é o aparecimento de algum hematoma sem que haja justificativas ou explicações. “A mulher faz um rodeio muito grande para explicar, ela entra em contradição. Como pode ser também um sofrimento psíquico, mental, a depressão, algum outro transtorno associado. Aí, a gente vai conversando como é o dia a dia, a organização dela, como é a história de vida familiar, com os pais. Geralmente, são pessoas que vêm de geração com situações de violência.”
Falhas no atendimento às vítimas
No Congresso, a CPMI de deputados e senadores que investigou, entre 2012 e 2013, a violência contra a mulher chegou a algumas conclusões. Apesar dos avanços da legislação e de algumas políticas de atendimento às vítimas, o grupo verificou que ainda há muitas falhas no acolhimento a essas mulheres.
O deputado Dr. Rosinha (PT-PR), que integrou as investigações, conta que os problemas são comuns a vários estados. “A CPMI teve esse papel importante, de despertar na sociedade o debate, de mostrar aos estados que eles não estavam preparados para receber as mulheres vítimas de violência, nem nas delegacias, nem nos tribunais, nem no Ministério Público, nem no serviço de saúde, em lugar nenhum. Mesmo nas capitais.”
Ele acrescenta outras dificuldades: “Às vezes, a pessoa pobre – apesar de a violência contra a mulher estar em todos os níveis da sociedade – vai de ônibus para a delegacia. Chega na delegacia é atendida, pedem para ela um corpo de delito. Ela sai dali e tem que pegar outro ônibus para ir ao Instituto Médico Legal. E, nesse próprio trajeto, às vezes, sozinha, de ônibus, sem companhia, é vítima de quem já está a ameaçando.”
Prioridade às vítimas de estupro
Na cidade de São Paulo, uma das saídas encontradas para humanizar o atendimento às vítimas de estupro foi a criação de um centro de referência. Com atuação desde 1994, o Hospital Pérola Byington é citado como exemplo pela comissão de inquérito, pela qualificação técnica da equipe multidisciplinar e o correto apoio dado às mulheres. O hospital já atua nos moldes da lei (Lei 12.845/13) que recentemente passou a obrigar o atendimento prioritário das vítimas de estupro na rede do Sistema Único de Saúde (SUS).
A responsável pelo núcleo de violência sexual da instituição, Daniela Pedroso, fala da importância de as mulheres serem incentivadas a buscar ajuda o mais rapidamente possível após um estupro. “É uma mulher que chega bastante fragilizada, com muito medo. Medo das ameaças que sofreu. Medo do que pode acontecer a ela e à família dela. É uma mulher em fase aguda de estresse pós-traumático, que precisa recuperar sua autoestima para poder retomar sua vida com certa qualidade. Fisicamente falando, se ela não procurar um serviço de emergência, ela pode deixar de evitar uma gravidez e deixar de evitar uma doença sexualmente transmissível.”
O Hospital Pérola Byington também realiza abortamento legal, permitido em caso de estupro. Segundo Daniela Pedroso, não é exigido das vítimas o registro da ocorrência.
Pela nova lei de atendimento às vítimas de violência sexual, as unidades de saúde devem orientar os pacientes e facilitar a denúncia, reunindo informações que possam ser úteis à identificação do agressor pela polícia e a Justiça.
Acesse o PDF: Rede de saúde atua em casos de agressão doméstica, familiar ou sexual (Agência Câmara, 26/08/2013)