Lucía, argentina de 16 anos, Joseline, mexicana de 22, e Florencia, chilena de apenas 10, são as mais recentes vítimas de crimes terríveis contra meninas e mulheres na América Latina, uma região que acaba de acordar para o horror da violência machista.
(IstoÉ, 04/11/2016 – acesse no site de origem)
O caso de Lucía Pérez, que no dia 8 de outubro foi drogada, estuprada e torturada até a morte, estremeceu a Argentina, onde milhares de pessoas foram às ruas para protestar contra esse crime. Também houve manifestações de repúdio no Chile, Brasil, Uruguai, Bolívia e México, países que enfrentam dramas parecidos.
Uma semana depois da morte de Lucía, Florencia, de 10 anos, foi asfixiada e queimada pelo seu padrasto, no Chile. Dias depois, no México, Joseline Peralta Aguirre foi encontrada morta, estrangulada e coberta de hematomas.
O presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, compareceu em agosto a uma manifestação similar às de outubro, que reuniu cerca de 50.000 pessoas. Sindicatos e partidos políticos ao redor da América Latina também se uniram a este movimento.
“Sim, houve uma mudança e é muito importante. Este chamado à tolerância zero está chegando a todos os lugares, e especialmente os jovens se mobilizaram”, disse à AFP a indiana Lakshmi Puri, diretora-executiva adjunta da ONU Mulheres.
Puri recordou o caso do seu próprio país, onde o estupro coletivo e a tortura de uma estudante no final de 2012 provocaram uma mobilização histórica.
Na América Latina, que “sofre de uma pandemia de violência”, se produziu essa mesma onda de indignação ante os abusos brutais contra mulheres e meninas, afirmou.
O panorama na região é sombrio: metade dos 25 países com mais assassinatos de mulheres no mundo são latino-americanos.
“É extremamente perigoso ser mulher na América Latina”, lamenta Ariadna Estévez, pesquisadora da Universidade Nacional Autônoma do México, país particularmente marcado por feminicídios em Ciudad Juárez, onde quase 400 mulheres foram assassinadas em uma década.
Ela afirma, porém, que “há um despertar, em grande parte através das redes sociais”.
Desde o ano passado, foi criada na Argentina a hashtag #NiUnaMenos”, e no México a #Primaveravioleta.
O uso das “redes sociais foi fundamental e serviu de catarse”, disse Estévez.
“Muitas mulheres nunca tinham falado sobre o assédio e a violência que viveram”, mas ao compartilhar as experiências, por exemplo no Brasil, com a campanha #Meuprimeiroassédio, perceberam que tinha acontecido a mesma coisa “com a maioria das mulheres”, disse.
No Uruguai, a assistente social Fanny Samuniski atende mulheres vítimas de maus-tratos na associação Mulher Agora, e nota uma evolução ao longo dos anos.
“No início chegavam dizendo: ‘estou desesperada’. Agora perguntam: ‘quais são meus direitos?'”, conta.
Neste pequeno país, um dos primeiros da América Latina a permitir o divórcio e o aborto, 19 mulheres foram assassinadas neste ano pelo companheiro ou ex-companheiro, de acordo com esta associação.
Em junho, o Uruguai se horrorizou com o caso de um homem que incendiou a casa da sua ex-companheira. A mulher ficou gravemente ferida, e seus três filhos e uma amiga morreram.
“As mulheres denunciam muito mais do que antes, mas esperam 10 anos” antes de fazê-lo, muitas vezes porque não podem se manter sozinhas, disse Samuniski.
Esta ativista luta para que o termo “feminicídio” seja incluído no código penal do Uruguai, como foi feito em outros 16 países da região para que este delito seja melhor contabilizado e punido.
Com quase 80 anos de idade, Samuniski fica entusiasmada com as manifestações massivas de rejeição à violência contra as mulheres.
“As mulheres da minha geração eram muito mais tímidas, elas são muito mais guerreiras”, assegurou.
A argentina María Nieves Rico, diretora do departamento de gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), participou da manifestação realizada em 19 de outubro em Santiago do Chile, sede desse organismo da ONU.
“Me chamou muito a atenção, muito positivamente, a quantidade de meninas jovens, muitas acompanhadas pelo seu companheiro ou por outros garotos”, comentou.
Ainda vai demorar para que vejamos mudanças nas mentalidades, mas Rico destaca que as mulheres “hoje nascem em outro contexto, se educam em outro contexto, têm outros recursos”, e “sempre ajuda” que se escute as suas vozes. “Os silêncios não ajudam”, concluiu.