Equivocada, reacionária, antifeminista, retrógrada, ultrapassada, privilegiada, alienada, apologista do estupro, defensora de pedófilos.
(Folha de S. Paulo, 13/01/2018 – acesse no site de origem)
Esses foram alguns dos adjetivos dedicados à atriz francesa Catherine Deneuve, 74, nesta semana. Mulheres de todo o mundo se uniram para condenar Deneuve e as outras atrizes e intelectuais francesas que assinaram um manifesto condenando o que chamam de exageros do movimento feminista #MeToo e da onda de denúncias de assédio sexual que se seguiu ao escândalo envolvendo o produtor Harvey Weinstein.
No Brasil, é difícil encontrar uma mulher pública que defenda abertamente as ideias expressas na carta das francesas, intitulada “Defendemos a liberdade de importunar, indispensável à liberdade sexual”.
“#MeToo iniciou na imprensa e nas redes sociais uma campanha de denúncia e acusação pública de indivíduos que, sem ter a oportunidade de responder ou se defenderem, foram colocados exatamente no mesmo nível que agressores sexuais”, diz o manifesto, publicado na segunda-feira (8) no jornal “Le Monde”.
Segundo a carta, o único erro desses homens foi “terem tocado em um joelho, tentado roubar um beijo, falado sobre coisas ‘íntimas’ em um jantar de negócios (…).” As signatárias afirmam ser preciso não confundir “paquera desajeitada com assédio sexual”.
Para a cineasta Anna Muylaert, a carta das francesas é um “retrocesso em um momento histórico em que as mulheres estão virando o jogo”.
“É ridículo igualar paquera e assédio –é óbvio que você quer ser paquerada na sexta à noite, e não constrangida no seu ambiente de trabalho”, afirma Muylaert, cujo próximo longa, “O Clube das Mulheres de Negócios”, trata de estereótipos de gênero.
Na visão da escritora Laura Erber, o manifesto comete uma descontextualização perigosa ao acusar o feminismo de puritanismo. “Elas projetam uma imagem caricatural das feministas, como se estas fossem ‘travadas’ e os homens assediadores sujeitos super bem-resolvidos com sua sexualidade. Com isso, contribuem apenas para enriquecer o repertório de violências naturalizadas, o que leva inclusive muitos homens a ameaçarem estuprar feministas para ‘ensiná-la a gozar'”, diz Erber, que é professora do departamento de teoria do teatro da Unirio.
LINCHAMENTO VIRTUAL
Em depoimento ao “Globo”, Danuza Leão foi uma das poucas a se solidarizar com as francesas –e foi apedrejada nas redes sociais.
“O que não está claro para mim é o conceito de assédio. É uma paquera? Avanços sexuais entre homens e mulheres começam sempre de um lado. Às vezes, o outro lado não quer, e isso é normal. Como definir?” Ela disse esperar que a “moda de denúncia contra assédio sexual não chegue ao Brasil”. “É ótimo passar em frente a uma obra e receber um elogio. Sou desse tempo. Acho que toda mulher deveria ser assediada pelo menos três vezes por semana para ser feliz.”
Os netos de Danuza, o fotógrafo João Wainer e a artista plástica Rita Wainer, publicaram em suas contas do Instagram a foto de um muro com a pichação: “Minha vó! Tá maluca!”, nome de uma música da funkeira MC Carol.
Para a acadêmica Heloísa Buarque de Hollanda, 78, “essas mulheres que dizem que fiu-fiu é legal são pessoas com o ponto de vista do privilégio, que têm carro blindado, guarda-costas, não conhecem a realidade barra pesada da maioria das mulheres”, diz a professora emérita de teoria da cultura na UFRJ.
Seriam mulheres acostumadas a ser bajuladas e paqueradas, não habituadas a levar encoxada no ônibus ou sofrer assédio no escritório.
PURITANISMO
Há quem aponte nuances nas posições tanto das mulheres de preto, quanto das francesas. A atriz Mika Lins, por exemplo, acha execrável a defesa que Deneuve fez do cineasta Roman Polanski –a atriz declarou que a palavra estupro era muito forte para descrever o episódio em que o diretor foi acusado de forçar uma menina de 13 anos a ter relações sexuais com ele.
“Mas é fato que existe uma onda de puritanismo. Não fico à vontade ensinando à minha filha de 18 anos que todos os homens são, a princípio, predadores”, diz Lins. “Prefiro pensar que há vários homens empáticos, que entendem nossos problemas; questiono um pouco a questão do lugar de fala, acho importante que o ser humano possa se engajar na luta alheia.”
A colunista da Folha Mariliz Pereira Jorge apoia o movimento #MeToo e vê um enorme mérito nas denúncias de assédio. No entanto, ela acha que a carta das francesas –que não deixa de condenar o assédio– é uma reação à parte mais reacionária do movimento feminista.
“Tem gente entalada com esse monte de normas impostas por algumas feministas. Eu não quero ninguém ejaculando em mim no metrô, mas não me incomoda em nada me chamarem de gostosa na rua, tem coisas muito mais importantes para eu me preocupar.”
Em artigo publicado na Folha de sexta (12), Marta Suplicy ponderou que “é preciso cuidado para não cair em uma trilha perigosa: o nada pode (…)”. E concorda com as francesas ao afirmarem no manifesto que “a paquera insistente não é crime nem galanteio é agressão machista”.
A roteirista e colunista da Folha Tati Bernardi diz: “Não quero ninguém que eu não queira metendo a mão no meu joelho. Mas concordo com as francesas que existe uma onda nociva de puritanismo que dilui a discussão mais urgente e pode colocar a mulher como frágil e o homem como monstro”.
Para Bernardi, violência, assédio, estupro e desigualdade precisam ser combatidos “com toda a união e toda a voz possível”. “Homens não devem ser incentivados ou aplaudidos por saírem assoviando pelas ruas, mas criminalizar o assovio, comparar isso ao estupro, me soa a chatice Vila Madalena-Leblon.”
Ela diz isso já esperando um festival de críticas. “Nunca lido muito bem com a mulherada batendo em mim nem acho muito feminista da parte delas.”