O projeto de Lei n. 5555/2013, atualmente PL n. 18 de 2017, tem como mote viabilizar a punição em uma área já bastante conhecida, mas de difícil regulação: a internet. O uso da internet para a prática delitiva e as dificuldades em tipificar tais condutas, sobremaneira devido às rápidas mudanças que acometem o setor, já é, de há muito, tema de controvérsia entre estudiosos do Direito Penal.
(O Estado de S. Paulo, 20/06/2018 – acesse no site de origem)
Prova disso é a chamada Lei Carolina Dieckmann, n. 12,737 de 2012, que visou a tutelar penalmente a invasão de dispositivo informático e condutas análogas. Especificamente no que tange aos crimes contra a honra, a propagação de ofensas ganhou uma nova dimensão e abrangência quando cometida por meios digitais, sendo absolutamente inapropriada a regulação que persiste sobre o tema nos artigos 138 e seguintes do Código Penal.
No que tange à violência contra a mulher, a divulgação de ofensas e, principalmente, a violação da intimidade de mulheres, provocando danos irreparáveis em sua vida pessoal e profissional, especialmente por meio da publicação de imagens íntimas, a chamada revenge porn (pornografia de vingança), é fato corriqueiro entre usuários de redes sociais ou aplicativos que permitem compartilhamento de vídeos e imagens, como o WhatsApp.
Por revenge porn se entende a divulgação, por meio de internet, de imagens e vídeos íntimos. A gravação do material pode ter sido ou não autorizada, porém sua divulgação é, em todos os casos, feita sem o consentimento da vítima. O algoz é, infelizmente, alguém que possui ou possuiu, na maioria das vezes, relação afetiva com a vítima.
As mudanças legais propostas pelo referido projeto se dariam não apenas no âmbito da Lei Maria da Penha, mas também no próprio Código Penal, abrangendo quem produz e quem transmite ditas imagens sem autorização de seus participantes. A ação penal seria, a princípio, condicionada à representação da vítima.
Os números alarmantes de violência contra a mulher no Brasil são tema de reiteradas pesquisas científicas e de palestras no âmbito jurídico. Segundo dados do Instituto Maria da Penha, a cada dois segundos, uma mulher é vítima de violência física ou verbal no país. A Lei Maria da Penha, n. 11.340 de 2006, em que pese tenha definido de forma abrangente o conceito de violência contra a mulher, bem como buscado viabilizar, por diversos instrumentos, o acesso das mulheres vítimas de violência aos canais de denúncia, não basta para que a proteção seja considerada suficiente. A lei é, sim, um bom começo, jamais um marco final desse caminho.
Em 2015, por meio da Lei n. 13.104, foi tipificado no Brasil o delito de Feminicídio, que consiste em matar mulher por razões da condição do sexo feminino, o que pode se dar por meio de violência doméstica ou familiar ou, ainda, por motivo de menosprezo ou discriminação à condição de mulher, ou seja, misoginia. É relevante, nesse caso, o próprio ato de dar um nome ao fenômeno, o que propicia de forma mais direta seu estudo e discussão.
Sabe-se que o direito penal atua após a violação de bens jurídicos, não sendo o instrumento ideal para coibir os comportamentos violentos – a menos que se acredite cegamente na função da pena como prevenção geral negativa.
Contudo, sabe-se que a mera alteração legislativa não é medida suficiente para a mudança de padrões comportamentais violentos, sendo necessário, sim, o desenvolvimento de novas concepções culturais e educacionais em uma sociedade na qual ainda predominam, infelizmente, ideias machistas e patriarcais. No entanto, o direito tem, sem dúvida, um papel fundamental na regulação dessas condutas e, no caso, na tentativa de construção de uma sociedade mais justa e menos violenta – na concepção mais ampla do termo – para as próximas gerações.
Chiavelli Falavigno, doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo com período de investigação na Universidade de Hamburgo (Alemanha). Coordenadora da área criminal de Franco Advogados