Quando uma mulher sofre algum tipo de violência sexual, ela primeiro tem que entender o que está passando. Isto é, ela precisa ter consciência de que aquilo foi um abuso.
(HuffPost, 30/08/2017 – acesse no site de origem)
Casos de estupro com penetração de um pênis de desconhecidos em abordagens violentas podem ser mais óbvios. Mas quando se trata de forçar uma mulher a tocar a genitália alheia, ou forçar dedos ou objetos contra a genitália dela, ou penetrá-la enquanto desacordada, ou ainda se esfregar nela de forma libidinosa sem seu consentimento são exemplos muito menos óbvios e que muitas mulheres não enxergariam como estupro, mesmo a nossa legislação entendendo que configura estupro.
67% dos casos são cometidos por parentes próximos ou conhecidos das famílias. E isso também contribui para o não entendimento sobre o abuso e o medo de revelar. Não consentir um ato libidinoso é a chave para que seja considerado estupro e todos precisam saber disso.
Ao entender que houve abuso, a vítima tem que chamar a polícia ou ir até uma delegacia para registrar um Boletim de Ocorrência. Geralmente, esse procedimento acontece em um ambiente despreparado para lidar com uma vítima. Elas são, muitas vezes, tratadas com descaso, dúvidas e até mesmo desincentivadas a seguir com o caso quando tomam coragem para denunciar um ato já ocorrido.
Elas ouvem frases como: “Você sabe que se for pra frente com esse processo vai acabar com a vida dele? Isso já passou. Agora é tarde demais pra fazer alguma coisa. Você tinha que estar sangrando para comprovar que realmente foi estuprada”.
Se ela faz o B.O., é encaminhada a um hospital para realizar exames e receber medicamentos antirretrovirais e a pílula do dia seguinte. Em seguida, precisa fazer o exame de corpo de delito, realizado no Instituto Médico Legal (IML). Mas esse não é o impulso inicial de quem sofre esta violência pois a primeira coisa que as vítimas relatam sentir é vontade de se limpar e se livrar da sensação de violação.
Então, ela tem que segurar “tudo como está” e encarar uma pessoa tocando e coletando coisas no seu corpo em um ambiente laboratorial.
Depois corre o processo legal, no qual ela é muitas vezes revitimizada. Após o sofrimento da violência própria do ato, é interrogada de maneira inescrupulosa de modo a lembrar os momentos em que esteve sob o jugo do agressor. Coisas como “mas que roupas você estava usando no momento do ato?”, “e o pênis do agressor estava ereto?” ou “você não tentou fechar as pernas?”.
Muitas pessoas estão convencidas de que é mais fácil uma mulher inventar um estupro para acabar com a vida de um homem ( mesmo em um cenário onde ela tem que passar por tuuuuuuudo isso e ainda se deparar com o fato de que apenas 3% dos casos de violência sexual terminam em uma condenação penal) do que simplesmente entender que o processo como ele está constituído é doloroso e exaustivo.
Existe até uma sugestão legislativa (vote não!) propondo transformar a falsa acusação de estupro em crime hediondo e inafiançável. Isto é um completo absurdo do ponto de vista da complexidade da violência de gênero pois, além de já existir punição para falsa acusação de crimes, uma lei dessa só colocaria mais condições impeditivas para mulheres que sofreram violência e depois foram psicologicamente ou fisicamente forçadas a retirar a denúncia.
A sociedade costuma colocar a responsabilidade do abuso sobre a mulher de diversas maneiras. E muitas não têm capital físico, psicológico ou monetário para passarem por tudo isso e ainda correrem o enorme risco de ver seu agressor solto.
Eu estou dizendo que a solução é não denunciar? Não. Eu quero dizer que precisamos correr atrás de denúncia e punição, mas só punir não é suficiente. Não é uma castração química que vai impedir estupros porque eles não são cometidos apenas com o órgão genital masculino. Não é uma prisão perpétua ou pena de morte que vão impedir estupros porque é necessária uma condenação, que passa por todas as falhas e baixíssimo índice de resolução.
Temos que propor melhorias na capacidade de julgamento do sistema penal e nos processos que levam até ela. Precisamos propor e cobrar avanços sociais que permitam mais entendimento sobre o tema e locais seguros e acolhedores para que as vítimas possam relatar o que passaram. Temos que propor e cobrar programas que falem sobre desigualdades e violências, que desconstruam o conceito de masculino dominador para deixar nascer um masculino cooperativo.
Temos que olhar para a questão com pluralidade de ângulos, e a única resposta pronta para esse problema é que não existe solução única ou solução fácil.
Itali Pedroni Collini é cconomista, empreendedora, feminista, idealista-pragmática e sempre curiosa 🙂