O que leva agressores a postar imagens da violência sexual e a nossa incapacidade de detê-los
(Marie Claire, 31/01/2017 – acesse no site de origem)
Passaram-se pouco mais do que seis meses desde que o caso de uma menina de 16 anos foi vítima de um estupro coletivo que chocou o Brasil, quando outro crime bárbaro tomou as manchetes. Há duas semanas, o Brasil ficou sabendo que uma menina de 11 anos foi brutalmente violentada por cinco homens no Distrito Federal.
Os requintes de crueldade são sempre os mesmos nesse tipo de caso: uma gangue de moleques, um homem maior de idade, a vítima acuada ou drogada, a violência. E uma câmera. Tudo é filmado pelo celular e compartilhado nas redes sociais.
O mal, claro, não é só dos brasileiros. Na semana passada, um estupro coletivo em Upssala, uma cidade universitária na Suécia, foi transmitido pelo Facebook Live para um grupo fechado de espectadores na noite do sábado, 21 de janeiro. Depois de uma série de denúncias, policiais chegaram ao apartamento onde o crime ocorreu e prenderam três homens de 18, 20 e 24 anos. Programas de televisão suecos dizem que circulam dois vídeos na rede: no primeiro o crime em si e, no segundo, a vítima é obrigada a dizer que não foi estuprada.
O que está por trás desse comportamento bizarro? O primeiro motivador é a cultura do estupro. O homem não acha que o ato que comete é crime porque parte do pressuposto que o corpo da mulher lhe pertence. E que o fato de ela estar inconsciente, drogada, bêbada ou simplesmente ter ido ao encontro dele é uma forma de consentimento. Sempre bom frisar que não, não é.
Por isso, a hipótese é de que encarem as imagens como uma nova modalidade de pornografia. Um estudo do Centro de Prevenção a Violência Sexual dos Estados Unidos mostrou que um dos principais motivadores da Violência Sexual é o sentimento de impunidade. E a cultura do estupro não influi somente nas atitudes dos homens.
No começo do ano passado, uma adolescente americana passou a responder judicialmente pelo crime de estupro porque que filmou uma amiga sendo violentada e transmitiu as imagens pelo Periscope.
Nas imagens, a vítima chora, diz “não” e pede para o agressor – um homem de 29 anos que ambas conheceram no dia anterior em um shopping Center – que pare. Enquanto isso, a adolescente que filma, brinca e ri. Uma seguidora estarrecida ligou para a polícia. A promotoria acredita que a adolescente que fez o vídeo pode até ter tentado intimidar o estuprador com o telefone, mas à medida que a transmissão foi gerando likes, desistiu do propósito. O filme durou 10 minutos.
Outro exemplo de como a barbaridade tem sido exposta nas redes sociais é o caso de um indiano, Cecil Burrows, que foi preso no ano passado também nos Estados Unidos, mais precisamente no estado de Maryland, acusado de ser um coach de filmes de estupro. Ele foi preso depois de que imagens feitas por ele circularam nas redes sociais e acabaram nas mãos da polícia. No vídeo feito com o telefone, ele pode ser ouvido dando orientações aos dois homens que violentam uma mulher semi-consciente, enquanto ela implora o fim. Ele foi preso.
O discurso das empresas de tecnologia é de que já existem ferramentas para denunciar conteúdo impróprio e que elas agem o mais rápido o possível nesse tipo de situação. O problema é que nem sempre essa velocidade é suficiente para frear a transmissão ou a propagação dessas imagens dantescas. É verdade que elas servem de prova dos crimes, mas embora ajude, a prisão dos agressores não é suficiente para recompor a moral, a autoestima e a saúde física e mental das vítimas, tão machucadas e humilhadas.