Estupro coletivo: socióloga aponta contradições da sociedade brasileira

31 de maio, 2016

(Sputnik News, 31/05/2016) O estupro da adolescente de 16 anos por mais de 30 homens, na Zona Oeste do Rio, continua mobilizando todos os setores da sociedade brasileira. Nesta terça-feira, 31, o governo federal anunciou a criação de um Núcleo de Proteção à Mulher no Ministério da Justiça e um departamento especial na Polícia Federal para acompanhar esses casos no país.

Também nesta terça, Lucas Perdomo Santos, de 20 anos, e Raí de Souza, de 22, prestaram depoimento no Delegacia da Criança e Adolescente Vítima, que passou a cuidar do caso. Especialistas em direitos de proteção à mulher  garantem, no entanto, que medidas como as anunciadas nesta terça terão pouco efeito se não houver mudança de valores na sociedade.

Jacqueline Pitanguy, socióloga da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), um dos nomes mais respeitados no meio, diz que o estupro coletivo da jovem expõe as contradições da sociedade. Ela afirma que é preciso distinguir os setores que acolheram a adolescente, como os serviços de saúde, onde ela recebeu a profilaxia para doenças sexualmente transmissíveis, AIDS e hepatite B, tendo garantido, no caso de o estupro resultar em gravidez, o amparo legal para interromper a gestação.

“Há uma luta histórica dos movimentos de mulheres que instituiu serviços especializados em atender a mulheres vítimas de violência. Há também o problema da polícia e da forma com que ela foi inicialmente atendida, de uma forma que procurou culpabilizá-la. Além de ter sido estuprada no chamado estupro coletivo, que é a forma mais brutal do estupro, além de ter sido estuprada nos meios digitais, na medida em que foi divulgada a sua imagem, a vítima ainda tem que provar que não é culpada ou que ela não ‘merecia’ e por que?”

A socióloga da Cepia diz que há uma moral que culpabiliza a sexualidade da mulher pelo fato dela ter namorado, gostar de sexo, como se ela, de fato, merecesse esse tipo de castigo.

“Lamentavelmente é uma cultura expandida na sociedade de culpar a mulher, ou porque ela gostava de namorar, ou porque estava com vestido curto ou um decote muito grande, como se essas características pudessem de alguma forma reverter os papeis de vítima e de réu. Parece que isso aconteceu quando ela foi inicialmente interrogada. Pelo que acompanho, isso está sendo modificado. Ela tem agora uma delegada que já constatou que ela, efetivamente, foi vítima de um estupro brutal que comoveu todo o país e que merece todo o nosso repúdio.”

Jacqueline observa que todas as sociedades são contraditórias, pois o ser humano é contraditório.

“O que não podemos é aceitar essa forma de contradição. Sempre numa sociedade você vai conviver com pessoas que são machistas, patriarcais, que sempre tendem a culpar a mulher em todas as instâncias, mas também vai conviver com grupos, pessoas, movimentos que buscam justamente o contrário, que buscam o avanço, o progresso, o reconhecimento dos direitos humanos. A sociedade não é uniforme, ela comporta grupos diferentes. O grande desafio é mudar a cultura, mudar os valores. Não podemos, entretanto, jogar fora o bebê junto com a água. Temos que reconhecer que ocorreram avanços no país e que eles precisam ser defendidos porque sofrem ameaça. O próprio deputado Eduardo Cunha tem uma proposta de lei que vai dificultar o atendimento às mulheres vítimas de violência sexual.”

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