Números acendem alerta em meio a discussões sobre projeto na Câmara que quer criminalizar interrupção da gravidez em casos já previstos em lei
(O Globo, 22/11/2017 – acesse no site de origem)
A discussão da PEC 181, que pode restringir a realização de aborto em casos já previstos em lei, avança na Câmara dos Deputados e, enquanto isso, as estatísticas de estupro e interrupções de gravidez feitas de forma insegura também não param de crescer. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado foram registradas 49.897 ocorrências de violação no país. O número é superior ao de 2015, quando 47.461 casos foram notificados. Em paralelo a isso, o aborto inseguro figura como uma das cinco principais causas de mortalidade materna no país.
A proposta discutida na Câmara originalmente previa um aumento da licença-maternidade em caso de parto prematuro, mas, após alterações, pode acabar levando à criminalização do aborto em casos legais como estupro, risco de morte materna e feto com anencefalia. A nova regra viria em um contexto adverso no qual o grande número de estupros já relatados pode ser ainda maior, já que, segundo o Anuário, somente 35% dos casos chegam às delegacias do país.
As notificações de mulheres que chegam aos sitemas de saúde para receber atendimento após esse tipo de agressão está abaixo do número de casos informado pela área da segurança pública. Segundo o Ministério da Saúde, no ano passado o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) computou 22.804 casos de estupro. Em 2015, o Sinan registrou 20.677 notificações do tipo.
Ao mesmo tempo, uma pesquisa publicada em setembro na revista “Nature” revela que 25,1 milhões de mulheres se submetem a abortos inseguros todos os anos no mundo, o que corresponde a 45,1% das 55,7 milhões de interrupções realizadas anualmente. De acordo com a publicação, onde o aborto é legal- majoritariamente em países desenvolvidos- 87,4% dos procedimentos são feitos de maneira segura. Por outro lado, nas nações com legislações duras em relação à prática, somente 25,2% dos abortos são feitos sem oferecer risco à mãe.
A América Latina é uma das regiões na qual a interrupção da gravidez é considerada ilegal em grande parte dos países. Devido a isso, a pesquisa aponta que as mulheres se submetem a intervenções precárias para interromper a gravidez, o que faz com que 59,7% dos abortos sejam inseguros. No Brasil a quantidade de abortos legais realizadas anualmente ainda é ínfima. O Ministério da Saúde informou ao GLOBO que, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), foram realizados 1.681 abortos legais no ano passado. Em 2015, foram 1655.
Diante do quadro, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem produzidos relatórios sobre a condição das mulheres no mundo. Em um dos textos, apresentado no Conselho de Direitos Humanos da Assembleia Geral, no ano passado, a ONU destaca que o aborto praticado em condições de risco ocupa o terceiro lugar das causas de morte materna em todo o mundo e argumenta que ” quando o aborto está restrito por lei, a mortalidade materna aumenta, já que as mulheres se veem obrigadas a se submeter a abortos clandestinos em condições perigodas e antihigiênicas.”
As considerações sobre a restrição do aborto em diversos países do mundo foi incluída em um capítulo dedicado a “torturas e maus tratos” a mulheres. O relatório da ONU afirma que a confecção de leis que proíbem a interrupção da gravidez em casos como estupro, deficiência do feto ou riscos à saúde da mãe – como é o caso da PEC 181- deixam as mulheres expostas à tortura e aos maus tratos.