Feministas veem como insuficiente novo padrão de atendimento a agredidas em SP

26 de janeiro, 2017

A descrição em palavras não traduz a intensidade da dor da vítima de violência doméstica e familiar –diferentemente de uma fotografia que exponha em detalhes a agressão. Essa é uma das premissas de um protocolo de atendimento integrado para atendimento a essas vítimas, implementado na semana passada em São Paulo pela SSP (Secretaria de Segurança Pública) em parceria com o Ministério Público Estadual.

(UOL, 24/01/2016 – acesse no site de origem)

Batizada de “Projeto Integrar”, a ação busca reforçar ações conjuntas entre os órgãos para o enfrentamento da violência contra a mulher. Além da realização de fotos das agressões nas delegacias, por parte de policiais mulheres e com autorização da vítima, outra medida será a realização da perícia em até dez dias –em geral, o procedimento leva 30 dias.

Para especialistas em assuntos ligados à violência de gênero, porém, mais que fotos, o que o atendimento às vítimas de violência doméstica tem demandado, no dia a dia de delegacias e centros de acolhida, profissionais treinados para lidar com essas vítimas.

Amelinha Teles é advogada e feminista (Foto: UOL)

“O protocolo não altera muito do que acontece hoje, porque muitas mulheres que vão registrar queixa ou falar sobre violência na delegacia ou em qualquer serviço, não raro, não estão machucadas visivelmente, mas psicologicamente. As medidas que precisam ser tomadas vão muito mais na direção de se qualificar quem as atende, em uma dinâmica de funcionamento mais adequada ao cotidiano da vida – e não atendendo as burocracias do Estado”, afirma a advogada Amelinha Teles, diretora da União de Mulheres de São Paulo e coordenadora do Projeto Promotoras Legais Populares.

“Esse tipo de atendimento em que a vítima tem uma retaguarda faz parte do Estado Democrático de Direito. Ela precisa de apoio afetivo e psicológico e quer preservar sua vida –mas vai buscar apoio onde tem uma porta aberta para ser atendida. Só que quem a atende tem que estar capacitado, orientado e supervisionado, porque é um trabalho desgastante e difícil em que se precisa acolher, ouvir e dar escuta para essa mulher e poder traduzir isso de acordo com a lei. Não dá para primeiro atender a burocracia  da instituição para, depois, olhar as mulheres”, concluiu.

Medidas são “série de boas intenções”

Diretora de conteúdo da agência Patrícia Galvão – que trabalha com a divulgação de material relativo aos direitos da mulher –, a jornalista Marisa Sanematsu considerou as medidas do protocolo “uma série de boas intenções que vêm sendo há bastante tempo recomendadas por especialistas e por pessoas que trabalham na área”.

“É relativamente fácil implementar a foto das agressões, por exemplo, porque celular é algo hoje muito mais à mão das pessoas. Mas isso só funcionará e será bom se realmente os profissionais tiverem orientação para aprender a mudar os procedimentos – o que inclui perceber a situação da vítima, que muitas vezes chega e afirma que não aconteceu nada. Perceber isso depende de capacitação”, defendeu a diretora. “Há que ter vontade política para mudar, na prática, procedimentos que muitas vezes não estão sendo adequados para garantir a proteção da vítima e responsabilizar o agressor.

A coordenadora do Núcleo de Gênero do MP-SP, Valéria Scarance (Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação)

Protocolo prevê treinamento de policiais e agentes, diz MP

De acordo com a coordenadora do Núcleo de Gênero do MP paulista, promotora Valéria Scarance, além da foto das agressões, o protocolo estabelece ainda a oitiva imediata da vítima e das testemunhas presentes, além da instrução do auto de prisão em flagrante com eventuais medidas protetivas –tomando por base fatores de risco como separação recente, perseguição incessante ou porte de arma de fogo por parte do agressor.

Segundo a promotora, a ideia é implementar o protocolo este ano na capital, a começar pelas delegacias da região norte da cidade, para que, a partir de 2018, isso seja feito em âmbito estadual. Esse é o tempo, explicou, para que policiais e agentes que atuam no enfrentamento da violência contra a mulher tenham treinamento adequado ao que estipula o protocolo.

“A ideia é que a investigação desses casos seja muito mais célere. Com a foto, sob autorização da vítima, e a perícia em dez dias, devolvida por e-mail, devemos conseguir ter uma resposta mais rápida para a formulação de provas mais efetiva e ter ainda algo inovador, que é a verificação dos fatores de risco para essa vítima”, explicou a promotora. “A referência a esses fatores de risco é importante porque são diferentes de outros crimes, e isso exige um conhecimento totalmente diferente e específico”, complementou.

Com o protocolo e as fotos das agressões, destacou a coordenadora do Núcleo de Gênero do MP, mesmo que a vítima se retrate –ou seja, volte atrás –na acusação, já na fase judicial, o juiz pode entender que o agressor deve ser condenado.

“Lembro de um caso, por exemplo, de uma mulher de mais ou menos 40 anos, casada, que teria sido agredida pelo marido. Chegou à delegacia bem machucada, um dia, mas não registrou ocorrência; no dia seguinte, foi agredida de novo e a PM foi acionada, e ela, socorrida. Teve um braço quebrado, muitos ferimentos, e ela se permitiu ter as agressões fotografadas –com fotos que revelavam a intensidade da lesão. Na instrução processual, ela se retratou e disse que havia caído da escada –muitas mulheres na fase judicial se retratam em razão da fragilidade gerada pela própria violência: não porque esteja recuperada ou isentas de perigo, bem entendido. Mas ali os policiais foram ouvidos, e, embora não tivessem presenciado a agressão, viram a vítima machucada”, disse a promotora. “O laudo é importante, mas a foto é como se fosse uma reprodução da cena da agressão naquela pessoa, traz o aspecto humano”, completou.

O projeto-piloto na capital será implementado em março. O convênio entre o MP e a SSP na ação será de cinco anos.

Pelos números do Mapa da Violência de 2015, o Estado de São Paulo registrou, em 2013, uma taxa de 2,9 homicídios de mulheres por grupo de 100 mil. A média nacional ficou em 4,8.

Janaina Garcia

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