Dados preliminares da pesquisa “Violência Sexual – Percepções e comportamentos sobre violência sexual no Brasil”, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e pelo Instituto Locomotiva, apontam que ainda é alta a porcentagem de brasileiros que concorda com frases que de alguma maneira justificam a violência sexual: Alarmantes 67% dos participantes acreditam que a violência sexual acontece porque os homens não conseguem controlar seus impulsos; 58% colocaram a culpa no álcool ou nas drogas e 32% creditaram a violência sexual à presença de “problemas mentais”.
(O Estado de S. Paulo, 12/12/2016 – acesse no site de origem)
A pesquisa, realizada em julho de 2016, ouviu 1.000 pessoas de ambos os sexos. Entre os homens, 42% disseram que a violência sexual acontece porque a mulher provoca, enquanto 69% das mulheres associaram a violencia ao machismo.
Já quando o assunto foi estupro, os dados são mais positivos: quase a totalidade dos participantes (97%) concordou que nenhuma mulher merece ser estuprada, independente se “sóbria, chapada, vestida ou pelada”, e o mesmo percentual concordou que sexo sem consentimento é sempre estupro. Metade dos entrevistados (49%) avaliam que a maior parte dos estupros acontece dentro de casa e 64% concordaram que o estuprador muitas vezes é um conhecido, como colega de estudo ou de trabalho. É uma avaliação que faz sentido, como mostram os dados da pesquisa Estupro no Brasil, uma radiografia segundo os dados da Saúde (Ipea, 2014). A porcentagem é surpreendente, já que quando se fala de estupro ainda é muito comum a associação com um rosto desconhecido na calada da noite, cenário que representa apenas parte da realidade.
Para 89% dos entrevistados, estar bêbado não é justificativa para um homem abusar de uma mulher e 96% concordam que é preciso ensinar os homens a respeitar as mulheres ao invés de ensiná-las a ter medo.
OPINIÃO: Pelo o que vejo nestes dados, os brasileiros demonstram alguma percepção sobre como se dá a violência sexual, mas têm dificuldade de entendê-la como um fenômeno estimulado socialmente (o que chamamos de cultura do estupro). Quando 2 em cada 3 pessoas entendem que um homem é incapaz de conter seu impulso de violentar uma mulher (ainda que isso seja errado), naturaliza-se a violência que nos acomete. Chega a ser contraditório com o praticamente consenso de que os homens devem ser educados para respeitar as mulheres. De que adianta ensinar se eles são incapazes de se segurar?
Também chama a atenção os 32% que acham que os agressores têm problemas mentais. Ainda que isso possa ser uma realidade em diversos casos, nem de longe é uma regra ou dá conta do assombroso número de violência sexual no país. Fossem todos os estupradores doentes, não registraríamos cinco casos por hora. Pelo contrário, esse número só é possível porque toda nossa sociedade ampara os agressores e abandona as vítimas. Silenciando-as, desestimulando a denúncia, desacreditando de sua palavra, culpabilizando as mulheres e não punindo os agressores. Se fôssemos um país em que os violentos são naturalmente doentes e uma sociedade cujos homens não se pode controlar, seríamos uma sociedade já falida e sem conserto, o que é muito mais uma desculpa para não agir do que a realidade.
Um dado que infelizmente não surpreende é a discrepância entre o que homens e mulheres apontam como o motivo da violência. As mulheres, imensa maioria das vítimas da violência sexual, apontam o machismo, ao passo que os homens – esmagadora maioria dos agressores – culpam…as mulheres. Note-se aí a diferença: as mulheres não culpam os homens, mas sim o machismo, um sistema que os beneficia e que nos cala e submete. Como principais afetadas por ele, conseguimos identificá-lo ao nosso redor. Os homens, como beneficiados, não. E assim somos sistematicamente culpabilizadas por um crime que nos atinge, que causa traumas e têm consequências que em muito extrapolam o momento do ato. Nós, mulheres, ainda temos que provar que não causamos nossos estupros.
A pesquisa “Violência Sexual – Percepções e comportamentos sobre violência sexual no Brasil” ouviu 1.000 pessoas de ambos os sexos, com 18 anos ou mais, em 70 municípios das cinco regiões do Brasil, entre os dias 6 e 19 de julho de 2016, e será divulgada na íntegra na terça-feira (13) na Agência Patrícia Galvão. Foi realizada com apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres e da Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha