07/01/2010 – Reforma do Código Penal não deve comprometer dispositivos da Lei Maria da Penha, diz senadora

21 de janeiro, 2010

Tramita no Senado Federal a reforma do Código de Processo Penal (CPP), trabalhada como Projeto de Lei nº156/2009. O projeto visa alinhar o Código Penal, em vigor desde 1941, às necessidades jurídicas e sociais da população.

senadoraseryscapa1A sub-relatora da reforma, senadora Serys Slhessarenko, do PT do Mato Grosso, atua para que a reforma do Código de Processo Penal abarque as especificidades da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que trata da violência intrafamiliar e doméstica.

Em resposta às reivindicações das diversas organizações feministas e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência, a senadora introduziu emendas ao projeto para abranger as especificidades da Lei Maria da Penha. O intuito é fazer com que a nova sistematização do CPP possibilite a aplicação dos instrumentos jurídicos para o cumprimento da Lei Maria da Penha – entre eles as medidas cautelares que visam a proteção das vítimas –, além de evitar possíveis dúvidas quanto às limitações impostas pelo Código de Processo Penal.

Acesse o artigo da senadora Serys Slhessarenko publicado na Folha de S. Paulo.


Por que a Lei Maria da Penha deve ser considerada na reforma do Código de Processo Penal?

valeriapandEm carta enviada para o jornal Folha de S. Paulo, a advogada Valéria Pandjiarjian, especialista em violência contra a mulher e integrante do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), comenta o artigo da senadora Serys Slhessarenko e analisa as alterações necessárias na proposta de reforma do Código de Processo Penal. 

Leia a carta na íntegra: 

Maria da Penha (O CPP e a Lei Maria da Penha)

Excelente o artigo da senadora Serys Slhessarenko (O CPP e a Lei Maria da Penha, FSP, 07/01/10). É preciso, contudo, que parlamentares e sociedade entendam que (e porque) o texto do projeto de lei no Senado Federal (PLS nº 156/09), da forma em que se encontra, ainda  compromete dispositivos importantes da Lei Maria da Penha (LMP). 

No marco do processo de reforma do Código de Processo Penal em curso – se aprovado sem as alterações que ainda se fazem necessárias – dispositivos incompatíveis com a LMP, por exemplo, deverão inviabilizar a prisão em flagrante na maioria dos crimes que incidem no âmbito da violência doméstica e familiar contra as mulheres, bem como a prisão preventiva em caso de descumprimento das medidas protetivas de urgência, colocando em risco a integridade e vida das mulheres e seus dependentes em situação de violência. O projeto ainda pode comprometer as próprias medidas protetivas de urgências da LMP e substituir as notificações pessoais ou por telefone que devem ser feitas à vítima pela via postal ou eletrônica. 

É preciso também compreender que a prisão, é sempre uma medida excepcional e em casos previstos na lei (em flagrante, preventiva, por sentença condenatória etc.) e visa, portanto, garantir a vida e integridade das mulheres e seus dependentes e a não impunidade dos crimes, de acordo com a sua gravidade. E, atualmente, para situações em que a pena mínima prevista para o crime praticado não exceda 1 ano, tem-se aplicado a suspensão condicional do processo, desde que cumpridos determinados requisitos e obrigações pelo acusado, resultando ao final na extinção da punibilidade. Se ocorrem fatores que impliquem a revogação da suspensão, o processo corre normalmente. Esse é um dos mecanismos, e um importante argumento para, entre outros, desfazer mitos em relação à afirmações generalizadas e errôneas sobre prisão e Lei Maria da Penha. 

Há que se ponderar, portanto, ainda, as equivocadas compreensões de quem – sem refletir sobre as circunstâncias e casos específicos – generaliza que a prisão representará um marcado abalo no sustento da mulher, porque na maioria dos casos o marido seria o grande provedor da família, como expressado pelo leitor Joubert Treffis. Dados do IBGE/PNAD (2007/2008) apontam que as mulheres já são responsáveis por 33% das famílias brasileiras.  A dependência ou co-dependência financeira é, pois, um dos elementos-problema nesse contexto, e a desigualdade sócio-econômica de gênero e étnico-racial persiste e incide fortemente sobre as mulheres no país. Dos casais cujo homem é a pessoa de referência, a mulher ocupada ganha em geral menos da metade do salário do homem e, em menor proporção dos casos, recebem mais de 50% e menos de 100% do salário do cônjuge. São elas ainda também as principais responsáveis por tarefas como cuidar da casa, dos filhos, dos idosos, da manutenção da família e de todas as atividades relacionadas ao âmbito doméstico. 

Os desafios são muitos, mas parece que as resistências de alguns setores são ainda maiores. São reflexos da cultura patriarcal, machista, racista e classista etc. que ainda pauta grande parte dos valores sociais e institucionais. Após 3 anos de vigência da Lei Maria da Penha, e de avanços em exemplos de boas práticas que demonstram a sua eficácia quando devidamente aplicada, está mais do que na hora das demais instâncias de Poderes do Estado, em especial do Legislativo e do Judiciário, assumirem sua responsabilidade institucional e constitucional com a implementação da Lei, e com o respeito aos direitos humanos das mulheres à vida, igualdade, liberdade, segurança, integridade física e mental, e a viver livre de discriminação e violência. 

Valéria Pandjiarjian
Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem)
Responsável pelo Programa de Litigio Internacional Cladem
[email protected] / [email protected]
Tels.: (11) 5083-6320  (11) 9908-6743

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