Na hora de mostrar apoio, muita gente comete deslizes e faz comentários indelicados
(Emais, 24/10/2017 – acesse no site de origem)
A hashtag #MeToo, ou #EuTambém, tem ajudado a expor diversos casos de abuso ou assédio contra mulheres. Algumas relatam que mantiveram a violência em silêncio por vergonha, medo do abusador, relação de poder ou mesmo por não perceberem a gravidade da situação quando ela ocorreu.
“Eu nunca falei sobre essas coisas publicamente porque, como mulher, sempre pareceu que seria como se eu estivesse falando do tempo lá fora”, relatou a atriz Molly Ringwald em depoimento publicado na revista The New Yorker. O assunto e a hashtag voltaram à tona depois dos relatos de dezenas de atrizes que sofreram abusos do produtor Harvey Weinstein.
Enquanto o apoio coletivo tem ajudado muitas mulheres a contar suas histórias, é importante lembrar que isso não é um convite para sanar a curiosidade e querer saber mais sobre cada caso postado nas redes sociais. “A primeira coisa é se dispor a ouvir, mais do que fazer perguntas”, explica Sofia González, que media na associação Artemis um grupo de apoio a mulheres que sofreram violência sexual. Portanto, um post não significa automaticamente que a mulher está disposta a conversar com qualquer pessoa sobre o assunto.
“Vai muito do vínculo que você já tem com essa pessoa. Se o depoimento dela te fez pensar nos seus casos de abuso e te inspirou, pode caber falar algo nesse sentido”, diz Sofia. Por outro lado, algumas perguntas ou comentários podem ser ofensivos ou indelicados.
Veja algumas perguntas que você não deve fazer a alguém que acaba de relatar uma violência sexual:
Não pergunte: ‘Mas você tem certeza?’
“Eu passei por uma violência e uma das primeiras pessoas para quem eu contei era meu melhor amigo, que morava comigo. A primeira coisa que ele perguntou foi: ‘Você tem certeza?’” Relata Sofia Gonzáles, que media na associação Artemis um grupo de apoio a mulheres que sofreram violência sexual. Ela explica que a pergunta desestabiliza ainda mais a mulher que acabou de passar por uma situação traumática. “Ela sofreu muitas formas de violência. Então é importante que ela não se sinta julgada ou culpada por alguém que está querendo ajudar”, diz Luiza Assumpção, psicóloga que também atua na Artemis. Em vez disso, mostre que você vai apoiar as decisões e respeitar o espaço dela.
Não pergunte: ‘O que aconteceu exatamente?’
“Quando alguém que relata um caso de estupro, a gente muitas vezes se sente na obrigação de dizer alguma coisa. Mas precisa tentar evitar matar a própria curiosidade – saber quem foi, como foi. A principal atitude é focar na vítima”, afirma Luiza. Em vez de questionar detalhes, diga: “Se você não quiser falar, tudo bem. Estou aqui para o que você precisar”, sugere Sofia.
Não pergunte: ‘Quem foi o agressor?’
Luiza e Sofia ressaltam que o mais importante é respeitar o limite da mulher. Ela deve contar aquilo que se sente à vontade em dizer e apenas quando estiver pronta. Você pode explicar para ela a importância de denunciar o agressor e se oferecer para acompanhá-la, mas não deve julgar a decisão final dela. “Um abuso já é atravessar os limites de alguém. Então a partir daí é importante respeitar as barreiras que ela vai colocar no contato dela com o mundo”, explica Luiza.
Não pergunte: ‘Você estava bêbada?’
Questionar as circunstâncias da violência, mesmo sem a intenção, é um julgamento. Vale lembrar que não importa se a mulher estava bêbada ou sóbria, nada justifica o abuso ou assédio.
Não pergunte: ‘Que roupa você estava usando?’
Vale o mesmo raciocínio da questão anterior: a mulher só será agredida se um agressor estiver por perto. “Um dos grandes problemas da situação de violência é que o primeiro sentimento é de vergonha de dizer, de se expor”, explica Nathália Cardoso, preceptora do programa de residência em Medicina de Família e Comunidade da faculdade de medicina da USP e médica no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. Julgar a mulher após o assédio ou abuso vai deixá-la com ainda mais receio de falar sobre a situação.
Não pergunte: ‘O que você estava fazendo lá?’
Mais um questionamento que implica julgamento. Demonstre que você está pronto para ouvir o que ela quiser contar, sem levar o foco da agressão para as atitudes dela.
Não diga: ‘No seu lugar, eu faria diferente’
É preciso lembrar que cada pessoa vai lidar com o abuso ou assédio de uma maneira diferente. “A gente tem que se controlar muito para não dizer o que faria dentro da nossa perspectiva, porque cada um tem a sua história, é muito particular”, complementa Nathália.
Se uma mulher decidir se abrir com você e relatar um caso de violência, o melhor é ouvi-la e tentar entender como ela prefere lidar com a situação. “Se você puder, vale tentar ajudar. A pessoa chega confusa. Quando você passou por uma situação de violência, é muita coisa que passa na cabeça — raiva dificuldade para lidar”, explica Sofia. “Se você conseguir, pode ajudá-la a organizar as ideias. Mas sempre deixando na mão da pessoa a decisão de falar.”
Quando ela está disposta a denunciar, você pode acompanhá-la até a delegacia, por exemplo. Sofia destaca, no entanto, que a escolha final deve ser sempre da mulher. “Às vezes, forçar a denunciar em um momento em que ela não consegue, mesmo querendo ajudar, pode fazer mal. A denúncia não é fácil”, explica.
Se ela der abertura, você pode também incentivá-la a procurar ajuda psicológica profissional. “Os índices de depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, abuso de álcool, drogas, e dificuldade para ter relações sexuais são muito altos entre essas mulheres”, explica Luiza Assumpção, psicóloga que também atua na Artemis.
Além disso, a psicóloga relata que, se a mulher tem um parceiro ou parceira fixa, pode ser interessante que ele ou ela também tenha acompanhamento psicológico para saber como lidar com a situação, já que o comportamento sexual de alguém que passa por uma violência costuma mudar.
Incentivar a mulher a ir ao hospital para fazer exames e tomar os medicamentos necessários até 72 horas após um estupro também pode ajudar. Os profissionais de saúde, por sua vez, precisam estar prontos para identificar a violência sexual e não constranger a paciente, explica Nathália Cardoso, preceptora do programa de residência em Medicina de Família e Comunidade da faculdade de medicina da USP e médica no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. “Os casos de violência não vêm para nós de uma forma direta. A principal queixa é de dores que a gente não consegue explicar. O profissional da saúde tem que estar muito atento”, afirma a médica.
Se a paciente preferir, pode pedir para ser atendida por uma profissional do sexo feminino, explica Nathália. Segundo ela, o mais importante é que a mulher se sinta segura e não seja julgada. “É preciso deixar muito explícito desde o início da consulta que tudo que ela disser vai ser guardado em sigilo.”
A palavra ‘acolher’ é considerada chave por todas as entrevistadas. Ouvir o que a mulher tem a dizer, não duvidar dela e respeitar suas decisões são as atitudes mais eficazes para ajudar alguém que sofreu abuso sexual. Nathália ainda ressalta que abuso não é apenas estupro, e que é preciso respeitar todos os relatos. “Uma mulher pode se sentir muito ofendida de receber uma cantada, por exemplo. Existem vários níveis de violência, mas todos são violência”.
Sofia e Luiza vieram ao nosso estúdio para falar sobre o tema. Confira a entrevista completa:
Luiza Pollo