Um terço dos brasileiros culpa mulheres por estupros sofridos

21 de setembro, 2016

“A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada.”

(Folha de S.Paulo, 21/09/2016 – acesse no site de origem)

A frase, capaz de provocar calafrios, é alvo de concordância de um a cada três brasileiros, segundo pesquisa inédita Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Mesmo entre as mulheres, 30% concorda com este raciocínio, que culpa a vítima pela violência sexual sofrida.

No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, segundo registros oficiais, totalizando quase 50 mil crimes do tipo ao ano.

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Um em cada 3 brasileiros concorda que mulher tem culpa por estupro, diz pesquisa (UOL, 21/09/2016)
Um em cada 3 brasileiros culpa mulher em casos de estupro, diz Datafolha (G1, 21/09/2016)

Estimativas apontam, no entanto, que apenas 10% dessas agressões sexuais sejam registradas, o que sugere uma cifra oculta de até 500 mil estupros anuais.

De acordo com dados do SUS (Sistema Único de Saúde), em 70% dos casos de estupro, a vítima é uma criança ou adolescente.

“Trata-se de um déficit civilizatório do Brasil ter tantas pessoas que vinculam a vitimização da mulher a uma conduta moral”, diz Renato Sérgio de Lima, vice-presidente da entidade.

O índice de concordância com a frase que relaciona uso de roupas provocativas com estupro sobe entre moradores de cidades de até 50 mil habitantes (37%), pessoas apenas com o ensino fundamental completo (41%) e com mais de 60 anos (44%).

O índice cai entre aqueles com até 34 anos (23%) e com ensino superior (16%).

“Isso nos mostra uma transformação em curso na tolerância à violência sexual e na percepção de que a culpa é da mulher”, avalia Wânia Pasinato, da ONU Mulheres. “Aqueles mais jovens e com mais educação melhoraram sua compreensão sobre o papel da mulher na sociedade”, diz ela.

O papel da educação no combate às agressões sexuais é reconhecido por 91% dos entrevistados, que dizem ser possível “ensinar meninos a não estuprar”.

“A educação é um fator de mudança e, portanto, devemos trabalhar o potencial transformador de valores das escolas”, destaca Lima.

Para Pasinato, no entanto, a retirada de metas de combate à discriminação de gênero dos planos nacional, estaduais e municipais de educação, por pressão de bancadas religiosas, deve ter impacto negativo nessas transformações.

#EUNÃOMEREÇO

Em 2014, pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que 65,1% dos brasileiros acreditavam que mulheres que mostram o corpo “merecem ser atacadas”.

O dado, depois corrigido para 26%, provocou uma enxurrada de manifestações e uma campanha em que mulheres e homens expuseram seus corpos em fotos acompanhadas da hashtag #EuNãoMereçoSerEstuprada.

“Os dados da nova pesquisa mostram um cenário ainda pior que aquele apresentado pelo Ipea”, avalia Nana Queiroz, idealizadora da campanha e diretora da revista AzMina. “Não me surpreende que o percentual de concordância com a frase [30%] seja igual entre homens e mulheres. A cultura do estupro é tão arraigada que acaba sendo reproduzida também por mulheres.”

Na mesma tônica, 37% dos brasileiros declararam acreditar que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”, o que reitera a ideia de controle do comportamento e do corpo da mulher.

Entre entrevistadas do sexo feminino, o índice de concordância com a frase cai para 32%. Entre homens, sobe para 42%.

POLÍCIA E JUSTIÇA

Segundo o estudo, 65% dos brasileiros temem ser vítimas de violência sexual. Entre mulheres, 85% têm medo de sofrer um estupro. No Nordeste, este índice é de 90%.

A pesquisa revela ainda que 50% dos entrevistados avalia que a Polícia Militar não está preparada para atender mulheres vítimas, enquanto 42% diz o mesmo sobre a Polícia Civil.

De acordo com Pasinato, a capacitação de profissionais para o atendimento à mulher vítima de violência está refletida na política nacional de enfrentamento à violência contra a mulher. “O que falta é a elaboração de protocolos de atendimento pelas instituições policiais, algo capaz de mudar as práticas e a rotina deste atendimento”, diz.

Nove em cada dez reclamações feitas à Ouvidoria da Secretaria de Políticas para as Mulheres são queixas contra o serviço de atendimento da PM, a assistência prestada em delegacias de polícia tradicionais e em delegacias especializadas no combate à violência contra a mulher.

“Um inquérito mal elaborado vai resultar em um processo judicial muito frágil em que fica fácil construir uma defesa para o agressor”, avalia ela, para quem a visão que culpabiliza a mulher pelo crime de que é vítima, apontada pela pesquisa, está presente também nas instituições policiais e judiciais.

No Estado de São Paulo, apenas 2 em cada 10 inquéritos abertos pela Polícia são esclarecidos. Dos casos que chegam à Justiça, a maioria acaba em absolvição.

Daí que 53% dos entrevistados na pesquisa avaliem que as leis brasileiras protegem os estupradores.

Em cerca de 70% dos casos de estupro registrados, o agressor é conhecido da vítima, o que dificulta a comprovação do não consentimento, baseado em geral no relato da vítima.

Em mais de 80% dos crimes, a vítima não apresenta trauma físico ou mental, o que dificulta a comprovação material da violência sofrida.

“O problema não está na lei, mas no aplicador da lei”, explica Ana Paula Meirelles, do Núcleo de Defesa da Mulher da da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. “Ainda há uma pouca valoração do discurso da mulher alvo de crimes sexuais, especialmente naqueles praticados por conhecidos, quando há uma inversão de valores e a vítima passa ser vista como culpada pelo crime.”

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