Infelizmente, no período do Carnaval, o número de denúncias de assédio aumenta. Por isso, a Rede Feminista de Juristas, a convite do Catraca Livre, fez um passo a passo sobre o que fazer caso você seja vítima ou presencie assédio durante a curtição.
(Catraca Livre, 07/02/2018 – acesse no site de origem)
O assédio contra mulheres envolve uma série de condutas ofensivas à dignidade sexual que desrespeitam sua liberdade e integridade física, moral ou psicológica. Lembre-se: onde não há consentimento, há assédio! Não importa qual roupa você esteja vestindo, de que modo você está dançando ou quantas e quais pessoas você decidiu beijar (ou não beijar): nenhuma dessas circunstâncias autoriza ou justifica o assédio.
De acordo com o Código Penal, assédio sexual é aquele que ocorre onde há relações hierárquicas entre a vítima e o assediador (em regra, é aquele que ocorre em relações de trabalho — o assediador é o empregador ou chefe e o funcionário é o assediado). O que popularmente chamamos de “assédio” é o que ocorre em espaços públicos podendo configurar outros tipos de comportamentos ilícitos.
No Brasil, não há um crime específico que trate do assédio que ocorre na rua ou em outros espaços públicos. Isso, entretanto, não significa que estas condutas ficam impunes, já que as violências que chamamos de assédio podem configurar diversos tipos de atos ilícitos (crimes, contravenções penais ou até mesmo um ilícito civil).
Formas comuns de assédio em espaços públicos:
- Ofensas, dizeres ou gestos ofensivos/inapropriados;
- Tocar, apalpar, segurar, forçar beijo, segurar o braço, impedir a saída;
- Colocar mão por dentro da roupa da vítima sem consentimento, iniciar ou consumar ato sexual sem consentimento. Embora seja comumente considerados como assédios, esse tipo de ato caracteriza o crime de estupro. Desde uma reforma do Código Penal realizada em 2009, também se caracterizam como estupro outros atos libidinosos — ou seja, o crime de estupro pode ser configurado mesmo sem penetração.
Os atos citados acima podem configurar:
- Importunação ofensiva ao pudor (previsto no art. 61 da Lei de Contravenções Penais);
- Perturbação de tranquilidade (previsto no art. 61 da Lei de Contravenções Penais);
- Ato obsceno (previsto no art. 233 do Código Penal);
- Estupro ou estupro de vulnerável (previstos nos art. 213 e 217-A do Código Penal).
Atenção: A culpa NUNCA é da vítima!
Insinuar que a culpa pode ser da vítima faz com que muitas mulheres não busquem ajuda por medo de serem culpabilizadas por crimes cometidos contra elas. Além disso, tais afirmações diminuem a responsabilidade do agressor, como se ele fosse incapaz de controlar seu próprio comportamento.
A Lei Maria da Penha se aplica nesses casos?
A Lei Maria da Penha se refere a violência contra a mulher no ambiente doméstico e familiar, por isso, não se aplica à maioria dos de assédio em locais públicos — na medida em que neles não há uma relação íntima de afeto ou de convivência doméstica ou familiar entre vítima e agressor. No entanto, se houver esse tipo de vínculo — se a vítima tiver sido assediada por alguém da família ou de seu convívio doméstico — a lei poderá ser aplicada (exemplo: assédio sexual de um tio contra a sobrinha).
E o sexo com menor de idade? É crime?
Segundo o Código Penal, considera-se estupro de vulnerável o ato libidinoso (não só penetração) com menores de 14 anos, sendo o menor de idade menina ou menino. Portanto, mesmo havendo consentimento da/do menor de 14 anos para a relação sexual o maior de idade estará cometendo o crime de estupro de vulnerável. Aproximadamente 70% dos crimes sexuais contra a mulher no Brasil são cometidos contra crianças e adolescentes, portanto, também devemos protegê-los nessa época.
Veja como denunciar cada tipo de caso:
Como agir em caso de assédio sexual:
O que fazer caso eu presencie um assédio?
- Apoie a vítima e auxilie na denúncia através dos canais oficiais;
- Ofereça-se como testemunha. Lembre-se: a omissão também ajuda a perpetuar a violência, pois cria uma ideia de que há uma tolerância generalizada a elas;
- Como denunciar? Qualquer assédio contra a mulher pode ser denunciada pelo número 180. A denúncia pode ser feita de forma anônima e é importante fornecer a maior quantidade de informações possíveis para que haja material suficiente para uma investigação e possível responsabilização do agressor;
- Caso esteja diante de uma conduta ocorrendo naquele momento, faça registros (fotografe/filme) e ligue para a autoridade policial. Isso pode permitir que a conduta seja pega em flagrante facilitando a denúncia para as autoridades;
- Se a pessoa estiver em situação de vulnerabilidade, como, por exemplo, em razão de embriaguez, ela pode não ter consciência do que está acontecendo. Em casos assim, ela não tem condições de consentir ou não. Por isso, ao se deparar com alguém nesse estado ofereça ajuda garantindo a segurança da mesma, pois, infelizmente, muitos casos de assédio e até de estupro ocorrem nessas circunstâncias. Regra de ouro: a pessoa só pode ter consentido se ela tiver condições pra isso e sexo sem consentimento é estupro;
- Em casos de violência contra criança e adolescentes a denúncia pode ser feita no conselho tutelar, no Ministério Público e/ou na Delegacia da Infância e da Juventude (se não houver delegacia especializada busque uma delegacia normal).
O que fazer caso eu seja vítima de um assédio?
- Peça ajuda a quem estiver por perto e acione policiais que estiverem no local. Depois, registre um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima. Casos assim não podem ser registrados por boletim de ocorrência online;
- Guarde todas as informações que conseguir referentes ao assédio: anote o dia, horário e local, nome e contato de testemunhas, características do agressor, tire fotos, filme etc. Quando você for fazer o boletim de ocorrência ou qualquer outro tipo de denúncia é importante levar o maior número de provas do ocorrido. Isso inclui vídeos e fotos no celular, testemunhas, conversas em redes sociais entre outras;
- Infelizmente, é comum o uso de drogas como “Boa Noite Cinderela” e outras para que a vítima fique sonolenta e mais suscetível ao estupro, caso o abuso tenha ocorrido através desta prática, é importante que a vítima faça o Exame Toxicológico (através de exame de sangue e urina) em no máximo 5 dias após a ingestão;
- Você pode fazer uma denúncia pelos telefones da Polícia Militar (190) e do Disque 180;
- É importante ressaltar que a autoridade policial não pode se recusar a registrar a ocorrência. Infelizmente, há casos em que a autoridade policial tenta dissuadir a vítima de fazer o boletim. Caso isso aconteça, registre uma reclamação na ouvidoria do órgão em que ocorreu a recusa.
Como agir em caso de estupro:
Se você for vítima de estupro ou estiver auxiliando uma pessoa que tenha sido estuprada os passos a serem seguidos são um pouco diferentes das dicas gerais fornecidas anteriormente.
É importante lembrar que o crime de estupro é qualquer conduta, com emprego de violência ou grave ameaça, que atente contra a dignidade e a liberdade sexual de alguém. O elemento mais importante para caracterizar esse crime é a ausência de consentimento da vítima. Portanto, forçar a vítima a praticar atos sexuais, mesmo que sem penetração, é estupro (ex: forçar sexo oral ou masturbação sem consentimento).
Uma pessoa que tenha passado por esta situação normalmente encontra-se bastante fragilizada, contudo, há casos em que a vítima só se apercebe do ocorrido algum tempo depois. Em ambos os casos, é muito importante que a vítima tenha apoio de alguém quando for denunciar o ocorrido às autoridades, pois relatar os fatos costuma ser um momento doloroso. Infelizmente, apesar da fragilidade da vítima o sistema necessita que ela realize a denúncia para que as autoridades possam tomar conhecimento do ocorrido e agir para a responsabilização do agressor.
O que fazer caso eu seja vítima de estupro?
- Chame a polícia ou vá até uma delegacia, imediatamente.
- Será feito um Boletim de Ocorrência e você será encaminhada, em seguida, a um hospital para realizar exames e receber medicamentos para prevenir doenças sexualmente transmissíveis (como a AIDS), além de receber a pílula do dia seguinte para evitar gravidez.
- O BO logo após o crime é importante para que seja feito o exame de corpo de delito (realizado por um médico(a) no Instituto Médico Legal — IML). Por essa mesma razão, não é recomendável que a vítima tome banho após o ocorrido, pois isso pode impedir a coleta de algumas provas importantes para a investigação e posteriormente para o processo criminal (ex: identificação da presença de sêmen o que pode auxiliar até na identificação do autor). Além disso, é importante guardar as roupas usadas no momento do crime para coleta de provas.
- Há casos em que a vítima precisa ser encaminhada diretamente ao hospital por estar machucada. Em casos assim, recomenda-se que a vítima passe por cuidados médicos e depois realize o boletim de ocorrência.
- Nos casos em que houve o uso de drogas como o “Boa Noite Cinderela” é importante que a vítima faça o Exame Toxicológico (através de exame de sangue e urina) em no máximo 5 dias após a ingestão.
Apesar dessa ser a ordem ideal, a vontade da vítima deve ser sempre respeitada uma vez que muitas mulheres, fragilizadas com a situação, decidem esperar algum tempo até procurarem as autoridades ou até mesmo para dividirem o que aconteceu com outra pessoa. Por essa razão, insistimos na importância de NUNCA culpar a vítima pelo crime cometido contra ela. A culpa jamais será da vítima e pressão de amigos e familiares indagando sobre a roupa, comportamento, postura, circunstâncias corroboram para os altos índices de suicídio entre vítimas de estupro.
Portanto, o acolhimento e atendimento psicológico especializado são muito importantes desde o início. Vale ressaltar que detalhes pessoais da vida da vítima são irrelevantes até mesmo no momento da realização do BO. A vida privada da vítima não tem valor jurídico uma vez que na ocorrência de estupro os fatos relevantes são aqueles ligados ao crime e não à vida ou passado da vítima. Muitas vezes, essas informações são utilizadas de maneira mal-intencionada para deslegitimar a vítima.
Caso o estupro já tenha ocorrido há algum tempo:
- Se a vítima decidir não buscar as autoridades policiais recomendamos, fortemente, que ela busque pelo menos cuidados médicos e psicológicos o mais rápido possível, pois quanto antes ela tomar os medicamentos para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis maiores são as chances de sucesso, o mesmo vale para a pílula do dia seguinte.
- É importante enfatizar que a busca da vítima por ajuda médica não tem nenhuma ligação com a polícia. A vítima tem sigilo médico-paciente e por isso, pode buscar ajuda médica logo após o fato e depois ir à autoridade policial quando se sentir preparada.
- Contudo, em casos de menores de idade, o conselho tutelar pode ser acionado, especialmente se o suspeito for alguém próximo, sempre visando a preservação da criança ou do adolescente.
- Em casos de violência contra criança e adolescentes a denúncia pode ser feita no conselho tutelar, no Ministério Público e/ou na Delegacia da Infância e da Juventude (se não houver delegacia especializada busque uma delegacia normal).
- Prazos: Apesar da vítima ter a escolha de buscar a autoridade policial depois, existe um limite de tempo para que ela faça isso.
- Para maiores de 18 anos: a vítima tem até 6 meses contados da data do conhecimento da identidade do agressor para realizar o boletim de ocorrência e realizar a representação perante o Ministério Público. Isso demonstra o interesse da vítima que haja um processo criminal.
- Para menores de 18 anos e vulneráveis: a vítima tem o prazo de 20 anos a partir do momento em que ela completa 18 anos.
- A lei estipula que é vulnerável qualquer pessoa menor de 14 anos ou que tenha alguma enfermidade ou deficiência mental ou que não tenha capacidade de oferecer resistência (ex: embriaguez). Se a vítima for maior de 18 anos e vulnerável, o prazo é de 20 anos a contar a partir da data do crime.
Em casos assim, não é necessário entrar com uma representação. Basta a vítima ou seu tutor fazer um boletim de ocorrência ou levar a notícia do crime ao Ministério Público, órgão responsável por mover a ação.
Em casos de estupro, apesar do Ministério Público poder processar o agressor em nome da vítima (sem necessitar de um advogado particular para isso) recomendamos que a vítima busque assessoria jurídica para ter apoio e se sentir segura durante todos os procedimentos necessários.
Para isso, qualquer mulher (cis/trans) que esteja em situação de vulnerabilidade pode nos contatar por meio de nossa página do Facebook para tirar dúvidas e pedir ajuda. Juntas somos mais fortes.
Assédio no transporte público:
São Paulo tem 4 registros de assédio sexual por semana no transporte público. Segundo dados publicados pelo Jornal Estadão, o número de boletins de ocorrência registrados por estupro, ato obsceno, importunação ofensiva ao pudor e estupro de vulnerável avançou 850%.
Caso o assédio ocorra no transporte público, é dever dos funcionários tomar medidas para interromper o ato, prestar auxílio à vítima e medidas para responsabilização do agressor. Assim, além de acionar o atendimento policial, há outros mecanismos específicos que podem ser adotados nesses casos.
O que fazer em caso de abuso?
- Peça ajuda a quem estiver por perto.
- Chame a atenção dos demais passageiros.
- Acione o canal de denúncia ou procure um funcionário do transporte para que ele tome as providências necessárias.
- Verifique se o funcionário está devidamente identificado (ex: crachá visível).
- Registre o máximo possível de informações referentes às circunstâncias do assédio: anote o dia, horário e local, nome e contato de testemunhas, características do agressor, tire fotos, filme etc.
- As informações a seguir garantem que os agentes de segurança atuem de forma mais rápida e precisa:
- Ao realizar a denúncia no sistema sobre trilhos (Metrô e Trem) é importante informar: o número do carro (trem) que aconteceu o assédio; sentido da linha que você está usando; qual é a próxima estação de parada; o número da porta que você está (alguns trens e metrôs possuem essa informação próximo aos mapas de linha).
- No ônibus tenha as seguintes informações: nome e número da linha; solicite o nome do cobrador e motorista para que possam ser testemunhas , caso haja necessidade.
Telefones Úteis em Caso de Assédio no Transporte Público:
Metrô: Aplicativo Conecta ou SMS-Denúncia (11-97333-2252)
CPTM: SMS denúncia (11) 97150-4949
EMTU: 0800 724 05 55
ViaQuatro – Linha 4- Amarela do Metrô: 0800 770 7100
SPTRANS: 156
Assédio em transporte individual (aplicativos):
As mulheres são maioria na utilização de aplicativos de transporte particulares. Esta realidade vem aliada à tentativa de evitar assédio em transporte público ou demais violências, no entanto, ainda em transportes de aplicativos ou correlatos, temos diversos relatos de assédio que vão desde contatos inoportunos de motoristas, até abuso físico propriamente dito.
Alguns aplicativos oferecem serviços exclusivos para mulheres, fornecendo apenas opções de motoristas mulheres. Outros também disponibilizam como opção escolher uma motorista mulher. Confira a liste neste link.
Caso não utilize um dos apps exclusivos para mulheres, os aplicativos como Uber, 99taxi e Cabify possuem canal direto de reclamação por problemas ocorridos na viagem.
Dica: Não entre no carro antes de conferir, placa, cor, modelo e a foto do motorista; faça apenas viagens combinadas pelo aplicativo, nada de aceitar propostas “por fora”.
Links de tutoriais de como fazer a reclamação caso sofra assédio dos motoristas:
Como reclamar no Uber?
Como reclamar no 99?
Como reclamar no Cabify?
Assédio em estabelecimentos fechados:
Da mesma forma que o Estado é responsável por coibir o assédio que ocorre nos meios de transporte público, os estabelecimentos particulares que promovem festas também são responsáveis por assegurar um ambiente livre de violências e poderão ser civilmente responsabilizados por eventuais omissões. Se você testemunhar ou for vítima de assédio em algum espaço desse tipo, além das medidas gerais cabíveis (como denúncia à polícia), acione, no momento dos fatos, os seguranças ou o responsável pelo estabelecimento, que deverão prestar auxílio e adotar medidas para interromper a violência.
É importante lembrar que caso seja necessário, é possível solicitar as imagens de câmeras de segurança do estabelecimento. Muitas vezes, estas filmagens podem ser essenciais como provas. Seguem algumas dicas de prevenção:
- Procure manter seu celular carregado, se possível leve bateria reserva/ carregador portátil.
- Não ingira bebida de pessoas estranhas.
- Alguns modelos de celulares como Apple e Samsung possuem a função “Contato de Emergência” que envia áudio, localização atual e imagem quando acionado, verifique se esta função está disponível para o seu aparelho.
- Procure ir em grupo aos blocos de Carnaval.
- Marque ponto de encontro, horário de chegada e partida dos bloquinhos.
- Mantenha um grupo em app de mensagens com os seus amigos foliões, para uma comunicação mais rápida em caso de urgência.
- Evite ficar próximo a vielas, becos e ruas sem saída , a circulação de pessoas nessas ruas tende a ser baixa. Ao anoitecer procure lugares bem iluminados. Terminada a festa, cetifique-se de que seus amigos chegaram bem em casa.
Amanda Vitorino, Gabriela Biazi, Pamela Michelena e Thayná Yaredi, da Rede Feminista de Juristas