Novas leis, novos avanços na proteção das mulheres. E precisamos de muito mais, por Alice Bianchini e Jorge Bheron Rocha

12 de junho, 2025 Conjur Por Alice Bianchini e Jorge Bheron Rocha

O Brasil continua ocupando posições alarmantes em rankings globais de violência contra a mulher. Apesar dos importantes avanços legislativos dos últimos anos, como a Lei Maria da Penha e a tipificação do feminicídio, a violência de gênero persiste como um grave problema social. Neste contexto, três novas leis sancionadas em abril de 2025 representam significativos avanços na proteção das mulheres brasileiras: a Lei nº 15.123/2025, que agrava pena para violência psicológica cometida com inteligência artificial; a Lei nº 15.124/2025, que combate a discriminação contra mulheres na ciência; e a Lei nº 15.125/2025, que estabelece o uso de tornozeleira eletrônica para agressores sob medida protetiva.

Lei nº 15.123/25: combate à violência psicológica por meio de inteligência artificial

Conforme o último relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e com o Ministério do Planejamento, com dados de 2024, a violência psicológica responde por 10,7% dos casos de violência contra mulher, e a violência sexual, por 8,9% [1]. A Lei nº 15.123/2025 surge em resposta ao crescente uso de tecnologias como deepfakes para humilhar, ameaçar e constranger mulheres.

De acordo com projeto [2], de autoria da deputada Jandira Feghali, a inspiração se deu em casos como o de alunas do Rio de Janeiro que tiveram imagens adulteradas e compartilhadas sem consentimento [3]. Ainda de acordo com a autora da proposição, dados de 2024 mostram um aumento de 96% em deepfakes pornográficos e 900% em conteúdos violentos direcionados majoritariamente a mulheres [4].

Essas práticas não só violam a privacidade e a dignidade das vítimas, mas também causam danos psicológicos profundos, muitas vezes irreparáveis. Trata-se de a tecnologia ser usada para criar conteúdos pornográficos falsos, simulando nudez e expondo as vítimas de forma cruel e humilhante. A nova norma altera o CP, para incluir, no artigo 147-B, um parágrafo, que estabelece o aumento de 50% da pena do crime de violência psicológica na terceira fase da dosimetria penal, sempre que o agente tiver se valido do uso de inteligência artificial ou de qualquer outro recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima.

Trata-se de uma tentativa de deter e mitigar os crimes cometidos com IA, podendo a pena máxima chegar a três anos de reclusão. O aumento de pena também objetiva comunicar para a sociedade que, quando praticada nas situações previstas na lei (uso de inteligência artificial ou de qualquer outro recurso tecnológico que altere imagem ou som da vítima), a conduta torna-se mais reprovável, merecendo, por conta disso, uma sanção maior.

A disposição pode significar um passo importante, mas é insuficiente se aplicada sozinha, ou se não houver um efetivo investimento em investigação tecnológica. Assim, a efetividade depende da capacitação de delegacias e do Judiciário para lidar com crimes digitais, ainda pouco compreendidos por muitos operadores do direito. Infelizmente, grande parte dos crimes praticados virtualmente acabam ficando impunes.

Além disso, é preciso ter instrumentos normativos que regulamentem o fluxograma de providências que imponha às plataformas digitais a obrigatoriedade e celeridade na remoção de conteúdos ilegais, algo que ainda não está previsto na legislação.

O projeto de lei originário alterava a redação do artigo 218-C, que criminaliza a “divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia”, incluindo como elementar o “uso de inteligência artificial”, e ampliando a moldura penal dos atuais um a cinco anos para de dois a seis anos. Entretanto, o parecer do plenário das Comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e de Constituição e Justiça e de Cidadania entendeu pela retirada desta disposição ao argumento de que fora recentemente aprovado pela Câmara o PL 9.930, de 2018, cuja matéria já havia sido devidamente deliberada [5].

Contudo, a não aprovação desta disposição representa uma lacuna grave, tendo em vista que tanto a “exposição da intimidade sexual por meio de registro não autorizado”, quanto a “divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia”, não fazem menção à utilização de inteligência artificial e preveem penas mais brandas, aquele tipo penal, com pena de detenção, de seis meses a um ano e multa, e este, de reclusão, de um a cinco anos. Assim, a ausência de qualquer elementar do tipo penal do artigo 147-B poderá acarretar a tipificação pelo artigo 216-B ou artigo 218-C, com pena bem inferior.

Lei nº 15.124/25: proteção contra discriminação de mulheres na ciência

A Lei nº 15.124/2025, proposta pelas deputadas Erica Hilton, Luciene Cavalcante e Célia Xakriabá, visa a combater a exclusão de gestantes, parturientes e mães em processos seletivos para bolsas acadêmicas. Casos como o da pesquisadora Maria Caramez Carlotto, que teve uma bolsa negada pelo CNPq sob alegação de que suas gestações a impediram de fazer pós-doutorado no exterior [6], evidenciam o fato de que a misoginia estrutural também está presente no meio acadêmico-científico. A Unesco aponta que apenas 30% dos pesquisadores globais são mulheres. [7] E, no Brasil, as mulheres representam apenas 35,6% de bolsistas de produtividade do CNPq [8].

A lei, de caráter não-penal, traz previsão de proibição de utilização, nos processos de seleção para concessão de bolsas de estudo e pesquisa, ou para sua renovação das instituições de educação superior e das agências de fomento à pesquisa, de perguntas de natureza pessoal sobre planejamento familiar, de forma específica, e, de forma geral, qualquer critério que tenha por base o fato de a mulher estar em período de gestação, de parto, de nascimento de filho ou de adoção ou obtenção de guarda judicial. Nos três últimos casos, a proibição se estende a homens (nascimento de filho, adoção ou obtenção de guarda judicial).

A norma também determina a ampliação do período de avaliação da produtividade científica, em caso de licença-maternidade, para dois anos, bem como sujeita o agente discriminador à instauração de procedimento administrativo, no âmbito da respectiva instituição.

Embora tenha como finalidade expressa no projeto de lei [9] assegurar um “ambiente acadêmico justo e inclusivo para todas as pessoas”, reconhecendo a importância de “contribuição para o avanço do conhecimento e desenvolvimento científico e tecnológico”, e o “acesso igualitário às oportunidades educacionais e de pesquisa” para gestantes e parturientes, a nova legislação não aborda a falta de políticas de apoio à maternidade nas universidades, como creches e flexibilização de outros prazos, essenciais para a real inclusão.

Mesmo que de forma tangencial, a norma está ligada também às questões que envolvem a violência patrimonial, pois, embora não haja conduta direta dolosa de “retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”, há impacto na não obtenção da bolsa, qualificação profissional da qual decorra promoção ou aumento salarial, etc. A lei reforça, em outro prisma, a Lei 14.611/2023, que estabelece a igualdade remuneratória entre mulheres e homens e reforça a proibição de discriminação salarial por gênero, e determina o “fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens” (artigo 4º, V).

A legislação representa um pequeno avanço, mas precisa ser acompanhada de políticas públicas que facilitem a conciliação entre maternidade e carreira acadêmica, sob pena de persistirem as circunstâncias discriminatórias de forma velada, sob novos pretextos. Outrossim, é de crescente importância o reconhecimento pelas esferas do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário da importância do trabalho de cuidado, reconhecendo que “uma intensa e injusta desigualdade na distribuição das responsabilidades e tarefas, sobrecarregando as mulheres” [10]. Nesse sentido, há que se ter um olhar especial para a Lei 15.069/24, que instituiu o Plano Nacional de Cuidados, representando um importante avanço nessa temática.

Lei nº 15.125/25: tornozeleira eletrônica para agressores

O Projeto de Lei 5427/2023, proposto pelo deputado Gutemberg Reis, transformado na Lei nº 15.125/2025, tem por escopo nacionalizar o uso da tornozeleira eletrônica para agressores sob medida protetiva, integrando esta utilização a um sistema que promova o alerta à vítima em caso de aproximação, como é o caso do botão de pânico.

A justificativa do projeto menciona a divergência de informações na aplicação da referida medida de monitoramento, como apontado pelo CNJ, de que, embora haja uma ausência de informação sobre a monitoração eletrônica quanto à sua utilização, é certo que é uma “realidade nos processos que impõem medidas protetivas de urgência, já que 4,21% dos equipamentos nacionais de monitoração eletrônica têm sido utilizados ao lado das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha (Depen, 2015) […] nada impede, inclusive, que, também no âmbito da Lei Maria da Penha, os dispositivos estejam sendo utilizados como cautelares diversas à prisão”.

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