Novo mandato de Trump: quando a xenofobia e a violência de gênero são a base da política migratória, por Sâmia Teixeira

11 de fevereiro, 2025 Nós, Mulheres da Periferia Por Sâmia Teixeira

Perseguição do Estado e incentivo à delação popular nos EUA ecoam práticas autoritárias que já vimos antes na história

Rosa imigrou para os Estados Unidos há cerca de 20 anos. É uma trabalhadora rural que se divide entre dois estados para encontrar trabalhos sazonais. Quando a estação de colheita acaba, ela luta para obter novas fontes de renda.

Vinda do México, ela não se sente parte da comunidade local. Tem pouca interação com o patrão, que, segundo ela, só aparece quando acontece algo de errado, mas acredita que a batalha vale a pena para garantir um melhor futuro para seus filhos. Ela não vê os pais desde que chegou aos EUA, e afirma ter medo de sair do país e não poder mais retornar. Para Rosa, no México seus filhos não teriam as mesmas oportunidades. Tudo o que ela deseja é ter estabilidade financeira e segurança.

Esse é um dos inúmeros relatos obtidos pela organização da sociedade civil, a Justice for Migrant Women (Justiça para Mulheres Imigrantes), que atua em defesa desse setor divulgando histórias, humanizando a população imigrante e divulgando direitos e bases legais para a imigração no país.

A vulnerabilidade de mulheres imigrantes nos Estados Unidos é escancarada: elas estão entre as maiores vítimas de violência sexual e exploração laboral. A maioria trabalha em setores precarizados, como serviço doméstico, indústrias e no campo, e frequentemente são alvo de assédio e abuso por parte de empregadores, que se aproveitam da vulnerabilidade migratória para impedi-las de denunciar.

O medo que essa condição impõe não é desmedido. A mulher sabe que, uma vez detida, sua segurança estará em risco.

Nos centros de detenção para imigrantes, abusos escandalosos são praticados contra mulheres. Um caso de 2020, ocorrido no Centro de Detenção de Irwin, na Geórgia, expõe o horror dessa perseguição: detentas foram submetidas a procedimentos cirúrgicos invasivos, sem anestesia e sem necessidade, incluindo histerectomias (remoção do útero) forçadas.

Em 2024, a Justiça estadunidense apresentou uma série de denúncias de estupros, praticados por parte de funcionários contra crianças imigrantes desacompanhadas que eram acolhidas em uma espécie de casa de transição, administrada pela Southwest Key Programs.

No mesmo ano, uma coalizão de grupos de direitos humanos denunciou abusos contra migrantes em centros de detenção na Louisiana. O relatório que aponta as ilegalidades relata que produtos menstruais essenciais foram negados às mulheres; algumas detidas imobilizadas foram privadas de comida, água, mobilidade e ida aos banheiros por mais de 24 horas seguidas, e outras foram espancadas e abusadas sexualmente por guardas.

As organizações que acompanham o tratamento dado aos imigrantes nos centros de detenção correm o risco de parar suas atividades, uma vez que Trump congelou o financiamento do Estado para o terceiro setor. Com isso, as mulheres ficarão ainda mais vulneráveis, pois sabem que a denúncia resulta em retaliação. Sob o novo mandato do presidente republicano, é mais provável que os relatos sumam mais facilmente nos gabinetes de burocratas que assinam ordens de remoção como se fossem papel qualquer. Com o recente decreto de Trump, a deportação poderá ocorrer sem a presença de um juiz ou de advogado de defesa.

Caçada aos imigrantes

O novo mandato de Trump também trouxe consigo uma onda de perseguição aberta contra imigrantes. Seus primeiros dias de governo nos mostraram que, incentivada diretamente pelo discurso oficial, essa hostilidade não se limitará às ações do Estado, mas se refletirá no cotidiano, com cidadãos comuns denunciando vizinhos, colegas de trabalho e “suspeitos”. Nos últimos dias, a conta oficial do ICE (Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos EUA) publicou um post convocando denúncias anônimas de “atividades suspeitas”. A resposta? Uma enxurrada de mensagens revelando o clima de perseguição racista e xenofóbica que se instaurou no país.

“O que constitui atividades suspeitas?”, perguntou um usuário no mesmo post, “16 pessoas morando em uma casa de dois quartos”, uma pessoa respondeu, “sendo marrom, já vale a denúncia”, disse outra.

“Deportação em massa, já! Mande-os todos de volta para seus países”, “tentei ligar várias vezes e não consegui, no formulário exigem que preencha os nomes e eu não sei, como denunciar??? Há um monte deles por aqui, moro em uma pequena cidade!!”, “nenhum dos funcionários da Disney fala inglês”, “posso reportar meu vizinho? Eu suspeito que ele não tenha documentos”, “precisamos de um app com um mapa como o do Google Maps, para indicarmos os locais onde estão os ilegais”, “como posso reportar um estrangeiro? Conheço vários deles, sei onde trabalham e seus endereços”. Esses são alguns dos comentários publicados na rede social X.

É preciso atenção pois essas não são palavras isoladas, mas reflexos de um ambiente cuidadosamente cultivado por políticas e discursos que encorajam a perseguição. O incentivo à denúncia anônima e a criação de listas de “suspeitos” evocam memórias sombrias de regimes autoritários, onde a população era transformada em ferramenta de repressão com desenfreada manifestação de discursos de ódio e violência contra setores minorizados.

Por mais que a criminalização de imigrantes nos Estados Unidos seja preocupante há muitos anos, o cheque em branco que o segundo mandato de Trump dá às agências policiais que cuidam da imigração e, mais que isso, à própria população — que tem sido incentivada e inflamada a perseguir e denunciar estrangeiros — tem proporcionado cenas que podem ser facilmente comparadas à Alemanha nazista. Sem qualquer exagero.

Em um formulário do Departamento de Segurança Interna, denúncias de “violações” simples, como “casamento fraudado”, por exemplo, servem como pretexto para solicitar investigação. Com tudo isso, como não remeter a atual situação à Alemanha hitlerista? O sombrio período histórico foi marcado pela constante e sistemática perseguição a judeus em seus locais de trabalho, nas escolas, sinagogas, culminando finalmente no envio dessas pessoas para campos de concentração.

Até mesmo essa prática de prisão pode ser relacionada com uma outra medida adotada pelo governo Trump no dia 19 de janeiro. O presidente, que tem definido os imigrantes como “lixo” e “animais” que devem ser eliminados, anunciou que vai instruir o Departamento de Segurança Interna e o Pentágono a preparar a prisão americana de Guantánamo, em Cuba, para receber até 30 mil imigrantes ilegais, desrespeitando o direito à migração garantido em diversos tratados internacionais de direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias (ONU, 1990) e a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados (1951).

Segundo relatório da IRAP (International Refugee Assistance Project), publicado em setembro de 2024, o Centro de Operações de Imigração de Guantánamo não oferece condições mínimas de higiene e segurança, não separa detentos por gênero, idade ou nível de risco, aumentando a vulnerabilidade de crianças que não têm acesso a pediatras, psiquiatras infantis ou cuidados básicos de saúde, dentre outras violações que configuram uma administração que negligencia obrigações internacionais e humanitárias.

São práticas que não apenas desumanizam os imigrantes, mas ecoam algumas das páginas mais sombrias da história, quando populações inteiras foram perseguidas, encarceradas e tratadas como ameaças a serem eliminadas.

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