Fórum Fale sem Medo: reconhecer tipos menos visibilizados de violência é passo essencial para prevenção

08 de dezembro, 2014

Especialistas debatem caminhos para reverter a naturalização da violência contra mulheres que prevalece entre os jovens

(Agência Patrícia Galvão, 08/12/2014) Os jovens aprovam a Lei Maria da Penha e percebem a existência do machismo no país. É o que mostra a pesquisa encomendada pelo Instituto Avon ao Data Popular para abrir os debates do Fórum Fale Sem Medo, que aconteceu no último dia 3, em São Paulo. Contudo, boa parte desses mesmos jovens reproduzem comportamentos que subjugam a autonomia e os direitos das mulheres e que estão na raiz de diferentes formas de violência física, moral e psicológica contra mulheres de todas as idades.

Promovida pelo Instituto Avon no âmbito da campanha mundial “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher”, a segunda edição do Fórum reuniu neste ano gestores, pesquisadores, promotores, jornalistas, ativistas e especialistas para debater formas de impedir a reprodução da violência baseada em gênero entre as gerações.

“De alguma forma, já percebemos entre os jovens indícios de que não há mais a mesma tolerância de antigamente em relação à violência a que eles assistem em suas casas. No entanto, ainda que inconscientemente, estes mesmos jovens estão reproduzindo o cenário de controle e desrespeito nas relações afetivas que, mais dia ou menos dia, redunda em violência”, aponta a presidente do Conselho Executivo do Instituto Avon Alessandra Ginante.

Educar contra a discriminação

Diante dos achados da pesquisa, os presentes foram unânimes em destacar que é preciso debater com as novas gerações quais são os papéis sociais de gênero e como eles podem alimentar relações violentas, para com isso desnaturalizar as várias formas de violência contra as mulheres que acontecem cotidianamente.

“A pesquisa deixa muito claro que os jovens têm dificuldade em entender o que é violência. Essa falta de percepção permite a perpetuação dos atos de agressão e da desigualdade de gênero. A pesquisa mostra como tudo isso é naturalizado na sociedade”, explica Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, organização que foi consultora da pesquisa e dos conteúdos do Fórum.

O levantamento apontou, por exemplo, que a maioria dos mais de dois mil jovens entrevistados, com idades entre 16 e 24 anos, já nos primeiros relacionamentos convive com situações como: o impedimento de que a mulher use determinada roupa, que ela saia sozinha com amigos, a invasão de suas contas nas redes sociais pelo parceiro e a não aceitação quando a mulher decide romper o relacionamento.

Confira alguns dados da pesquisa (ou clique aqui para acessar o documento na íntegra)

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Os jovens mudaram ou hoje as formas de violência são outras?

A socióloga Vera Aldrighi, especialista em pesquisas de opinião e comportamento, avalia que a natureza da violência hoje é completamente diferente, houve uma mudança de percepção. Isso não significa que a violência em si tenha aumentado, mas que aumentaram a reprovação e a exposição. “É isso que nos faz ter a impressão de que aumentou a violência em si”, aponta.

Em sentido semelhante, a pesquisadora Heloísa Buarque de Almeida avalia que este é um momento de transformação social muito grande, em que a violência contra as mulheres tende a aparecer mais, justamente porque as pessoas começam a perceber como violência várias situações que antes não viam.

Professora do Departamento de Antropologia da FFLCH/USP, Heloísa atualmente coordena uma pesquisa sobre estupros no campus da USP e avalia que as discriminações que existem nas universidades públicas e privadas expõem como a violência contra as mulheres, o racismo, a homofobia e a transfobia independem de classe social ou formação educacional. “Fica patente como é necessário criar uma espécie de pauta dos direitos humanos na educação. E é preciso ensinar para os rapazes a cultura do consentimento. O cara tem que entender que se a mulher não pode consentir – seja porque está bêbada, desacordada, o que for – ele não pode abusar dela. Sexo sem consentimento é estupro”, frisa.

Mídia e educação devem ser prioridades 

Para mudar este cenário, os especialistas presentes recomendam como fundamentais ações e políticas públicas que envolvam a educação e a mídia, para disseminar valores de igualdade e respeito e mostrar que é papel de toda a sociedade enfrentar as discriminações e reverter a banalização de todas as formas de violência.

Nesse sentido, a secretária de Políticas para as Mulheres de Santo André (SP), Silmara Conchão, relatou no evento a experiência do município em promover a formação sobre as relações de gênero de 80 professores e diretores da rede municipal usando os materiais da Campanha ‘Quem Ama Abraça – Fazendo Escola’. “Se ainda não há uma lei federal inserindo o estudo das relações de gênero nos currículos escolares, os municípios podem se mobilizar e fazer isto localmente, não temos que ficar esperando˜, instigou a secretária, que é também professora.

Convidada a participar do painel de debate sobre a pesquisa, a cantora e compositora paulistana Negra Li, que participou de um dos vídeos de divulgação da Campanha, considera que os artistas também devem se engajar nesta causa, ajudando a conscientizar as pessoas sobre o problema da violência contra as mulheres. “Assim como o racismo, ainda existe um machismo camuflado muito forte”, afirmou a cantora, que cantou um trecho da música tema da Campanha, que foi tocada em seguida no vídeo exibido aos participantes (confira abaixo).

Segundo a artista plástica Ana Paula Alves, professora de artes, grafiteira e integrante da Rede Nami, o ativismo pelo fim da violência e a arte foram fundamentais para seu fortalecimento, depois de viver uma situação de violência. Por conta de uma gravidez indesejada, a artista foi forçada pela família a casar muito jovem e já aos 20 anos foi vítima de violência pelo marido.  “A violência é como uma cicatriz, a ferida estanca, mas a marca está sempre ali”, afirma.

Atualmente, Ana Paula atua visitando escolas para discutir o problema com adolescentes e ajudá-las a identificar uma situação de violência. Também leva informações sobre caminhos de denúncia e apoio, como pela Central de Atendimento a Mulher – Ligue 180, que ela divulga nos lugares que visita.

Políticas públicas e responsabilidade empresarial

Na avaliação da secretária de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM-PR), Aparecida Gonçalves, a pesquisa sobre a percepção dos jovens sobre a violência contra mulheres trouxe elementos que irão contribuir para o aprimoramento das estratégias da política pública de enfrentamento à violência em 2015. “A sociedade precisa superar as discriminações e propagar novos valores de igualdade, sem machismo, racismo e homofobia”, aponta.

A secretária destaca ainda que é fundamental que as empresas também assumam suas responsabilidades nessa frente. “O Ligue 180 recebe em média 22 mil ligações por dia de mulheres pedindo ajuda, e a cada 5 minutos uma mulher é agredida no Brasil. Ou seja, as empresas podem ter muitas mulheres que sofrem violência e muitos agressores nos seus quadros”, frisou, convidando outras companhias a seguir os passos do Instituto Avon, que é apoiador da Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – uma cooperação entre Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria e empresas, que busca engajar esses atores na promoção dos direitos das mulheres a uma vida livre de violência.

Confira alguns momentos do Fórum Fale sem Medo
Violência contra a mulher: o jovem está ligado?

 

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