Pesquisa aponta ‘janela de oportunidade’ para enfrentar machismo e garantir justiça às mulheres

07 de dezembro, 2016

Durante o lançamento da pesquisa Instituto Avon/Locomotiva na manhã desta quarta-feira (7), especialistas destacaram que existem avanços na percepção dos males sociais que as desigualdades de gênero e o machismo trazem, bem como de suas conexões com a violência contra as mulheres. Ainda que esses avanços se deem em ritmo lento e em menor grau que o atual estágio civilizatório exigiria, para Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, os dados da pesquisa “O Papel do Homem na Desconstrução do Machismo” mostram que “existe um campo para ser trabalhado no sentido da transformação e ação dos homens a partir do reconhecimento de seu lugar de privilégio social”.

(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 07/12/2016)

O estudo aponta que 6 em cada 10 homens acreditam que poderiam melhorar sua postura em relação às mulheres. Apesar disso, a distância entre as avaliações e as práticas masculinas na convivência cotidiana ainda é abissal. Por exemplo, 43% dos entrevistados declararam achar que “pega mal” reclamar quando algum integrante de grupos masculinos de redes sociais como o WhatsApp, por exemplo, compartilha fotos de mulheres nuas. “E, ao agir assim, todos se tornam cúmplices da pornografia de vingança, da desumanização e da objetificação das mulheres”, frisa Renato Meirelles. A maioria talvez nem saiba que se torna cúmplice também de um crime: o compartilhamento de fotos e vídeos íntimos pela internet, sem autorização dos envolvidos. Daí a importância de debater como as violações dos direitos das mulheres são naturalizadas em nossa sociedade e quais as suas consequências.

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Renato Meirelles durante a apresentação da pesquisa (crédito das imagens: Luciana Araújo).

O presidente do instituto Locomotiva acrescenta ainda que essa postura de não criticar os amigos machistas ou não defender os direitos das mulheres nos espaços de socialização masculina revela, na verdade, covardia, ao invés de demonstrar um senso comum de masculinidade como alguns acreditam. “São covardes, porque não têm coragem de ‘desqualificar’ os seus colegas, mas se calam frente à desqualificação das mulheres”, critica Renato.

As desigualdades de gênero, discriminações e violências estão incorporadas na sociedade de forma tão arraigada que 61% dos entrevistados – homens e mulheres – consideram que a mulher que se deixou fotografar também tem culpa quando um homem compartilha suas imagens íntimas sem autorização.

Acesse aqui a íntegra do relatório da pesquisa

Também debatedor no evento de lançamento da pesquisa, o cientista político e produtor cultural Márcio Black ressaltou que a incorporação da masculinidade hegemônica está presente também no cotidiano dos homens que se consideram “feministas” ou parceiros do feminismo. “Se o homem acha que já chegou ao lugar de ‘desconstruído’, é nesse momento que ele passa a cometer uma série de violências sem nem perceber, porque acha que não é machista”.

Na pesquisa, por exemplo, 85% dos homens concordam que todo pai deve educar os filhos para não serem machistas. No entanto, quase metade deles (48%) ainda não admite que os homens sejam responsáveis por cuidar das tarefas do lar enquanto a mulher trabalha fora. O trabalho doméstico também ainda é enxergado como responsabilidade das mulheres por 35% dos entrevistados homens. Além disso, 48% afirmam que “não deixaria um filho meu brincar de boneca de jeito nenhum; boneca é brinquedo de menina”.

“A boa notícia é que isso é muito mais comum entre os mais velhos do que entre os mais jovens”, ressalta Renato.

Durante o debate, a historiadora Wânia Sant’Anna lembrou que “os elementos estruturantes da sociedade brasileira – escravocrata e colonialista – levam a que a violência grasse por toda parte”. Para a especialista, é fundamental responsabilizar os homens individualmente por suas atitudes machistas, mas é também necessário “tratar da responsabilidade institucional na permissão das subordinações e responsabilizar também as instituições que proíbem o desenvolvimento de uma educação que mude essa lógica”.

A intervenção de Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão e consultora analítica da pesquisa, também reforçou o papel da educação para um avanço efetivo. “Precisamos debater quem educa os educadores. E discutir educação em uma perspectiva ampliada, que passa pela família, pela escola, pelo sistema de justiça etc., em uma perspectiva civilizatória, que no Brasil é escassa. Temos, por exemplo, uma mídia que constrói uma representação da mulher de 40, 50 anos atrás e, quando reclamamos, somos as mal-humoradas, aquelas que ‘não entenderam nada'”.

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Da esq. para a dir: Wânia Sant’Anna, Leandro Feitosa, Jacira Melo, Márcio Black, Nana Soares e a jornalista e apresentadora Adriana Couto.

As desigualdades de gênero são percebidas por 88% da população, que também reconhece o impacto do racismo na potencialização das violações sofridas pelas mulheres negras. 89% dos entrevistados concordam que as mulheres negras sofrem ainda mais preconceito que as brancas. E embora 59% tenham declarado concordância com a ideia de que todas as mulheres devem ser respeitadas independentemente da aparência ou comportamento, o outro lado desse dado é que ainda é altíssimo o índice de quem condiciona respeito à forma como a mulher se veste, fala, com quem e onde anda etc.

Para Jacira Melo, essa realidade está sendo transformada principalmente por ação das mulheres. “As meninas estão saindo às ruas bradando que não importa se está chapada, vestida ou pelada, nenhuma mulher merece ser estuprada”. Black concorda. Em visita a espaços das escolas estaduais ocupadas por estudantes no ano passado e em debates em instituições de ensino privadas, percebeu que “as meninas estão assumindo o protagonismo e os meninos estão sendo obrigados a rever suas posturas”.

A jornalista e blogueira Nana Soares também avalia que o tema da necessidade de superar as desigualdades de gênero é cada vez mais forte nas novas gerações. E também destacou o papel da educação nesse processo de transformação, no que foi seguida por Leandro Feitosa, psicólogo e professor da PUC/SP que trabalha com grupos de debate sobre responsabilização de homens agressores. Para Leandro, é importante ressaltar ainda que a perspectiva machista “não tem a ver com classe social ou acesso à educação formal, mas com ter recebido ou passar a receber educação com perspectiva de gênero”.

Para Jacira Melo, a proposta de trabalhar com os homens para mudar essa realidade é muito importante, pois é preciso fazê-los compreender que as desigualdades de gênero são, “acima de tudo, uma relação de injustiça para com as mulheres”.

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