Cor e gênero da violência, por Adriana Mello

19 de dezembro, 2015

 (O Globo, 19/12/2015)  Preconceito contra negras é maior do que o sofrido por mulheres brancas

A Assembleia Geral da ONU proclamou a Década Internacional de Afrodescendentes, com início em janeiro de 2015 e fim em dezembro de 2024, e com o tema: “Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento”.

A década tem como finalidade a promoção do respeito, a proteção e a efetivação dos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disso, será uma oportunidade para reconhecermos a contribuição significativa dos afrodescendentes à sociedade, bem como propor medidas concretas para promover sua inclusão e combater todas as formas de discriminação racial, xenofobia e qualquer tipo de intolerância relacionada, tendo em conta a situação particular das mulheres, meninas e jovens do sexo masculino.

O Mapa da Violência 2015 revelou a situação alarmante da violência sofrida pelas mulheres negras. De acordo com o estudo, as taxas das mulheres e meninas negras vítimas de homicídios cresce de 22,9% em 2003 para 66,7% em 2013. Houve, nessa década, um aumento de 190,9% na vitimização de negras.

É sabido que as mulheres são muito mais discriminadas do que os homens, mas o preconceito contra as mulheres negras ainda é maior do que aquele sofrido por mulheres brancas.

Entre os séculos XVI até o final do século XIX, a escravidão no Brasil marcou de forma definitiva o papel social e sexual das mulheres negras, que vivenciaram a discriminação tanto do ponto de vista racial, quanto das relações de gênero. A coisificação/discriminação foi perpetrada por homens e mulheres brancos, e “em menor grau”, pelos homens negros, que por sua vez, exerciam e reproduziam o papel macho em delimitar, com precisão, o lugar social das mulheres negras, especificamente, na relação conjugal.

Alguns autores assinalam que a colonização dos trópicos trouxe uma agravante para as representações de gênero transplantadas da Europa, ao aliar fortemente o racismo à misoginia. Nesse sentido, alguns estudos já apontam que o preconceito racial e a relação hierárquica de gênero combinam-se num perverso quadro de subordinação. Ela é duplamente discriminada: por ser mulher e por ser negra.

E para combater o racismo e a violência contra as mulheres que estão arraigados na nossa cultura será necessária uma verdadeira revolução cultural, a começar pela educação, com a alteração nos currículos escolares para inclusão de disciplinas que abordem temas como o combate ao racismo, à desigualdade de gênero nas relações, respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.

Nesse sentido, exalto a importância desta Década Internacional que permitirá que as Nações Unidas, Estados, sociedade civil e outros atores relevantes unam esforços contra a discriminação racial e de gênero e tomem medidas efetivas para a implementação do programa de atividades, com o espírito de reconhecimento, justiça e desenvolvimento.

Adriana Mello é juíza

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