A advogada é uma das fundadoras do Geledés, o Instituto da Mulher Negra que liderou em São Paulo as lutas para tornar o racismo um crime e criar as cotas para pretos e pardos nas universidades
(Marie Claire, 12/11/2018 – acesse no site de origem)
Em abril, o instituto fez 30 anos. O nome Geledés reverencia o poder feminino das deusas, na cultura ioruba. É uma ong feminista, sim, combate o sexismo e a objetificação da mulher. Mas com seu vigoroso fôlego briga por uma sociedade justa. Sem exceção, todos os avanços recentes que pretos e pardos conquistaram têm o empurrão do Geledés – e da advogada Sônia Nascimento, 66 anos, parceira da filósofa Sueli Carneiro na fundação da organização sediada em São Paulo. A dupla começou antes. Era o ano de 1972, ditadura militar, quando se conheceram trabalhando na Secretaria da Fazenda. Sônia ia ao clube dos negros, gostava na música negra, mas ainda não havia politizado o discurso. “Sueli já falava da necessidade de criarmos um grupo para discutir os problemas específicos da raça, o preconceito, as dificuldades que para nós eram muito maiores”, lembra.
O raciocínio fazia sentido. Sua mãe ficou viúva aos 22 anos, pôs no colo a caçula de 6 meses, deu a mão para Sônia, então com 1 ano e meio, e as levou a um internato, para ela poder trabalhar. Uma freira ia conduzindo as crianças portão adentro, mas a mulher, arrependida, arrancou as filhas, dizendo: “Elas estarão junto de mim onde eu comer e dormir.”
Empregou-se como cozinheira em um setor da Santa Casa de Misericórdia que abrigava bebês rejeitados pelos pais e criou as filhas ali. Exigia que estudassem muito por acreditar que negras só se emancipam com diploma. Aos 16 anos, Sônia recebeu da mãe folhetos de dois candidatos pretos às eleições. Ouviu: “Não conheço. Mas vamos ajudá-los a ganhar, e eles socorrerão os negros, depois”.
Sônia formou-se em direito. Na Ordem dos Advogados do Brasil entrou na comissão da mulher e ia à periferia dar cursos sobre direitos humanos. Acabou conhecendo o projeto de promotoras legais populares, levou a prática para o Geledés e segue capacitando interessadas em atuar nessa função e em tudo mais que empodera os negros.
O impacto do trabalho do instituto: em 1989 o racismo virou crime passível de prisão. “Muito antes, vínhamos discutimos o que queríamos colocar nesta lei, tentando influenciar deputados”, conta. A criação da primeira delegacia de crimes raciais também tem o dedo do Geledés. O mesmo aconteceu na elaboração do Estatuto Racial (2010) e na criação da Lei das Cotas (2012), que dá aos negros acesso às universidades. “Cotas ainda são muito combatidas. Para nós é questão de honra mantê-las”.
O Portal do Geledés fala recorrentemente delas entre inúmeros outros conteúdos sobre negritude, que são reproduzidos por milhares de blogs, discutidos nas escolas e universidades. “Isso me emociona. É a sensação de dever cumprido”, diz a finalista da categoria Sociedade Civil.