(O Globo, 15/10/2015) Diretor de ONG que busca converter ex-agressores para a luta contra violência doméstica, americano, nascido no Bronx, veio ao Rio divulgar a causa
“Tenho 44 anos e nasci no Bronx, Nova York, onde todos me chamam de ‘Q’. Na minha vizinhança, vi de perto o cotidiano da violência doméstica contra mulheres, meninos e meninas. Há 18 anos estudo o assunto e meu desafio é, sendo homem, confrontar outros homens, responsabilizando-os pela suas ações extremas”
Conte algo que não sei.
É bem mais difícil mudar atitude que comportamento. Quando se ataca o comportamento, o potencial continua dentro do agressor. Quando se ataca a atitude, é o pensamento gerador do ato que se altera.
Já conseguiu fazer agressores mudarem de lado?
Sim. Eles pararam com os abusos e passaram a lutar junto comigo. Mas essa luta não é só contra o agressor, mas contra os que assistem passivamente a cenas de agressão, os chamados “stand-byers”. É preciso recrutá-los também.
Qual o alcance do movimento? Há uma efeméride?
Todo ano promovo um Compromisso do Dia dos Pais, em que famílias das comunidades afetadas dão seu testemunho. Já se expandiu a 55 cidades no país, mais duas no Canadá, em eventos ou via redes sociais.
Quais os efeitos colaterais da violência doméstica?
Em Nova York, 65% dos jovens que presenciaram violência em casa se envolvem em violência nas ruas, absorvendo maus exemplos de suas novas “famílias”: as gangues. Muitas vezes, apelam para os líderes locais, que os livram de situações difíceis em casa em troca de missões. E são reinseridos no continuum de violência baseada em gênero, sexo forçado, drogas e contágio.
A fé pode ajudar?
Muita gente não quer ir à polícia ou a organizações, preferindo instituições ligadas à fé. Temos um programa que atua entre muçulmanos, cristãos, judeus e outras vertentes.
O que faz o homem agredir?
A dita hipermasculinidade é uma máscara usada por muitos homens que vivem em ambientes onde mostrar-se sensível ou humano denota fraqueza. O linguajar e as ações, que vêm da infância, seguem a linha do cowboy, sempre no controle, certo, falando grosso. Esse mito simbolicamente mantém o homem seguro fora de casa. Já na segurança do lar, são ora violentos, ora “secretamente” dóceis e emotivos.
E a mídia nisso tudo?
Violência contra mulheres, drogas, dinheiro, são temas lucrativos no cinema, na música, na mídia. É claro que a mídia muitas vezes é nossa aliada, sobretudo os responsáveis por ela. Já as mensagens nas canções e nos filmes reforçam a imagem do homem violento. Por isso é comum depois das crises o agressor voltar para a parceira, ou achar uma nova, mas seguir o mesmo padrão.
Qual foi o ponto culminante de sua missão até aqui?
Ninguém entendia direito porque eu estava metido nesse trabalho. Dizia que foi por acaso. Trabalhava com crianças e jovens, e acabei me apaixonando pela causa. Minha mãe se divorciou quando eu tinha dois anos e meu irmão, três. Ela nos criou sozinha. E nunca nos contou o motivo do divórcio. Ao me ver nesse trabalho, achou que eu “me lembrava de algo”. Eu disse que não tinha essa memória.
Então…
Um dia, anos atrás, minha mãe contou tudo e virou minha cliente. Relatou sua experiência com meu pai, coisas escondidas por 30 anos, e eu a aconselhei. Hoje, no meu inconsciente, acho que sei a verdadeira razão de eu estar nessa missão. Nunca saberei o que significa sofrer abusos de um homem, claro. Mas entendo as escolhas e os desafios que minha mãe teve que enfrentar para sobreviver ao trauma pelo qual, enfim, ela me revelou ter passado.
Carlos Alberto Teixeira
Acesse no site de origem: Quentin Walcott, ativista: ‘Um dia, minha mãe virou minha cliente’ (O Globo, 15/10/2015)