Mulheres negras são as maiores vítimas de violência . O que a frieza dos números deixa evidente é que a raça é determinante para suas histórias
(Revista AzMina, 20/11/2019 – acesse no site de origem)
Mulheres negras são as que mais sofrem violência doméstica no Brasil. São as que mais denunciam agressões. São as maiores vítimas de homicídio e feminicídio. É o que mostram dados estatísticos. As vítimas dessas agressões têm duas coisas em comum: gênero e raça. O que a frieza dos números deixa evidente é que a raça é determinante para as histórias dessas mulheres que sofrem violência.
Fernanda* é uma mulher negra de 31 anos. Viu a mãe apanhar do pai quando era pequena e não conseguiu escapar do ciclo de violência. Após sofrer agressões do marido e ver sua filha ameaçada pelo próprio pai, tentou denunciá-lo mais de uma vez, mas não conseguiu. Foi desencorajada no lugar onde deveria ter encontrado proteção, a delegacia.
Ela procurou primeiro a delegacia da mulher. “A delegada disse que não tinha nada pra fazer por mim, que eu precisava esperar acontecer alguma comigo ou com a minha filha pra poder pegar ele. Eu respondi que até lá eu já vou ter morrido”, conta. Fernanda segue viva, mas a falta de proteção leva mulheres à morte.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 1.206 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2018 e 61% delas era negra (soma de pretas e pardas, de acordo com classificação do IBGE). Feminicídio é o termo que define o assassinato de mulheres cometido em razão do gênero. Ou seja, quando a vítima é morta por ser mulher.
A Lei Maria da Penha prevê mecanismos de denúncia, prevenção e de assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Mas eles não estão conseguindo proteger as mulheres negras.
“Apesar de contarmos com políticas públicas voltadas para o enfrentamento à violência doméstica, os índices demonstram seu reduzido alcance para atuar na proteção e direto à vida das mulheres negras. O recrudescimento do racismo, do conservadorismo e do machismo são elementos que impactam negativamente na vida das mulheres”, diz Sueli Carneiro, fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, no livro Mulheres Negras e violência doméstica: decodificando os números.
Dados do Ligue 180, serviço do governo que recebe denúncias de violência contra a mulher, localizam as mulheres negras no campo da violência doméstica. Em 2016, 60% das mulheres que relataram casos violência eram negras – os dados de 2017 e 2018 tiveram um alto percentual de mulheres que não informaram raça.
Quando cruzamos gênero com raça
A forma como a mulher negra é vista é um ponto central para explicar os dados. Pesquisadoras negras mostram que os estereótipos construídos ao longo de séculos têm influência na construção das identidades e vulnerabilizam a mulher negra, ao “autorizar” violações contra elas. É o que a socióloga e autora norte-americana feminista Patricia Hills Collins chama de “imagens de controle”: ideias que são aplicadas às mulheres negras e que permitem que outras pessoas as tratem de determinada maneira.
Dessa forma, quatro estereótipos racistas se destacam: o da mãe preta, que é a matriarca ou subserviente; o da negra de sexualidade exacerbada que provoca a atenção masculina; o da mulher dependente da assistência social; e o da negra raivosa, produtora da violência, não a receptora. Essa ideias vão, inclusive, na contramão de mitos que normalmente foram construídos em torno da imagem da mulher branca, como o da fragilidade feminina, da exigência de castidade, da divisão sexual do trabalho em que o homem é o provedor e a mulher é a cuidadora.