‘Negra, gorda e bissexual’, feminista Luz Ribeiro é primeira mulher a vencer o Slam BR. Evento reúne melhores poetas de rua do Brasil e vale vaga para mundial na França.
(G1, 21/12/2016 – acesse no site de origem)
Aos 28 anos, a “negra, gorda e bissexual”, como ela mesma se define em tom de resistência, Luz Ribeiro foi escolhida a melhor poetisa do Brasil. No último domingo (18), Luz conquistou o Slam BR, torneio que reúne anualmente os melhores poetas de rua do país. Foi a primeira vitória de uma mulher na história da competição.
Assim como toda jovem da periferia, competir e lutar já faz parte da rotina. “Nós, mulheres negras e periféricas já competimos a vida inteira, tentando reafirmar nossa beleza, competindo por vagas que nos são negadas”, explica. “Então, quando ouvi que ganhei passou um filme de todos os ‘nãos’. De todas as portas fechadas e, ao mesmo tempo, aquele grande sim. Sentimento de que eu poderia fazer qualquer coisa”, completa (veja textos da poetisa em sua página do Facebook).
Com apresentação da atriz Roberta Estrela D’alva, o Slam BR deste ano se dividiu em quatro dias de competição, de 15 a 18 de dezembro, no Itaú Cultural, na Avenida Paulista, na região central de São Paulo. O evento reuniu poetas de 29 slams, oriundos de quatro estados do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. Com a vitória, Luz foi classificada para a Copa do Mundo de Slam de Poesias, na França.
Sobre a vaga na disputa internacional, ela não é modesta: “Acho que se eu fosse só para curtir o rolê, essas coisas, não seria justo, porque tem gente que vive o slam e sonha com essa oportunidade, como eu sonhei por muito tempo”. “Sendo sincera, eu quero ganhar sim. Quero ir e desenvolver o meu melhor”, afirma.
Origens
Nascida no bairro de Jardim Souza, nos extremos da Zona Sul de São Paulo, filha de pai mineiro e mãe baiana, Luz (cujo nome de batismo é Luciana) estudou a vida toda em escola pública, onde sofreu com o racismo e a exclusão (“eu fui muito zoada na escola. Eu não tinha amigos”, diz), e lutou para construir sua vida na capital paulista. Para lidar com o preconceito, ela passou a escrever pequenos textos e versos sobre seu cotidiano, que depois queimava para se sentir melhor.
Foi só no final de 2011 que Luz passou a visitar sarais comunitários, onde pela primeira vez viu pessoas escrevendo sobre uma realidade como a sua, periférica, diferente do que lia de autores renomados da literatura brasileira. “Eu confrontei essa realidade da poesia marginal e vi que tinha total relação com o que eu queria fazer”, lembra.
A partir daí, Luz virou figurinha carimbada nos saraus de São Paulo e logo resolveu conhecer a prática que conjugava poesia e competição: os slams. “Fui no Menor Slam do Mundo, que têm poesias de até 10 segundos, e eu já cheguei ganhando. Eu não escrevia coisas grandes. Então fui ao Slam da Guilhermina [que ocorre em frente à estação Guilhermina da CPTM, na Zona Leste] e eu batalhava direto e não passava de fase”, conta.
Militância e crescimento nos slams
Seus primeiros textos nas competições tinham enfâses românticas. Depois, a troca de experiências com mulheres em grupos de trabalho deixaram seus poemas engajados.
“Fui descobrindo várias dores que elas tinham que eu também tinha, e aí fiz um texto mais revoltadinho”, brinca. Com ele e outros textos voltados à consciência social, Luz passou a vencer mais slams. “Chorei demais”, recorda.
Em 2013, quando o Slam BR ainda era chamado de Slam SP e restrito ao estado de São Paulo, Luz passou perto de se classificar para o torneio, mas acabou sem vaga por 0,1 na nota final.
Frustrada e buscando superar a derrota, ela juntou dinheiro e viajou para a França. Não queria atrelar uma futura vitória à viagem do prêmio. “Fiz isso porque não quero dar esse peso, de uma viagem, para a poesia, uma coisa que salvou minha vida”, afirma.
No retorno pra casa, retomou as competições e, primeiro, garantiu vaga para uma final regional, no Slam da Roça, em Francho da Rocha. Na final, a vitória e a vaga para o nacional resgataram a vontade de ganhar da poetisa, que não desviou de textos mais “revoltadinhos” na disputa: discutiu abertamente o feminismo, a liberdade sexual e a desigualdade racial em suas rimas.
“Para qualquer mulher militante, engajada em arte, é primordial que se faça coisas que vão de encontro às convenções sociais. Lutar por uma forma de que os outros se sintam menos sozinhos e mais representados. E a gente também”, afirma Luz. “O sarau e o slam são ferramentas para que a gente se conheça e vá criando outras de nós. Pluralizando”, conclui.
Eduardo Pereira sob supervisão de Cíntia Acayaba