Crítica: Falabella tenta, mas não escapa de racismo e machismo em O Sexo e as Negas, por Gabriel Marchi

17 de setembro, 2014

(UOL, 17/09/2014) Em meio a muita repercussão, estreou nesta terça-feira (16) O Sexo as Negas, nova série da TV Globo criada por Miguel Falabella. Antes mesmo da estreia, a atração recebeu 11 denúncias de racismo e Globo foi notificada pela Seppir (Secretaria de Poíticas de Promoção de Igualdade Social), da Presidência da República, que abriu uma investigação para apurar as denúncias.

O autor bem que tentou, mas não conseguiu escapar do racismo e sexismo. Livremente inspirada pelo extinto seriado estadunidense Sex and the City, o programa narra a vida de quatro mulheres negras da comunidade de Cidade Alta, em Cordovil, no Rio de Janeiro, sob o fio condutor de seus relacionamentos amorosos e desventuras sexuais. A história é protagonizada pela camareira Zulma (Karin Hils), Tilde (Corina Sabbas), Soraia (Maria Bia) e Lia (Lilian Valeska), com reforço de luxo de Claudia Jimenez e Maria Gladys como coadjuvantes.

Infelizmente, a polêmica levantada de que o nome da série seria racista – reforçando preconceitos já existentes na sociedade acerca de mulheres negras e sua sexualidade – se confirmou na tela. Muitos erros da série-mãe, Sex and The City, se repetiram, mas com um agravante: a narração deixou de ser da protagonista e passou para o criador da série, Falabella, colocando um olhar masculino sob a vida de todas as mulheres.

Além disso, quase todas as interações da protagonistas da série – que tem vidas interessantes, famílias, empregos e ambições – são pautadas pelo sexo. Bem como suas interações com homens, que nenhuma vez abordam qualquer tema que não seja , no mínimo, um romance. A coisa piora quando entram depoimentos de personagens homens, que reduzem as mulheres a seres que só pensam em “casar”, “engravidar” e, então, “pegar o dinheiro da pensão”. Ainda que com a intenção de revelar o que pensam os “homens comuns da sociedade”, as falas são difíceis de digerir.

Durante a exibição, o assunto chegou aos assuntos mais comentados da rede social Twitter. As opiniões foram divididas: muitos aprovaram, outros criticaram. “Essa série é um total reforço dos esteriótipos que muitos de nós negros tentam desmistificar há anos #Triste #sexoeasnegas“, comentou a usuária Regilaine Oliveira. As quentes cenas de sexo protagonizadas pela camareira Zuma – que fez piada dizendo ter feito sexo por agradecimento por ter uma jóia da patroa encontrada – e da cozinheira Soraia, dentro de um carro, também foram amplamente comentadas.

Entre os pontos positivos, há de se elogiar as cenas em que as protagonistas se deparam com o racismo na pele. Também chamou a atenção o tema que amarra o primeiro episódio: mobilidade. Na primeira cena, Jesuína (Jimenez) fala por meio de uma rádio comunitária sobre como é difícil ter mobilidade (social) quando a mobilidade urbana não permite a um morador de um bairro distante sequer sair de seu bairro. Desta forma, introduz a trama do capítulo, no qual as protagonistas querem comprar um carro e, assim, terem mais liberdade em suas vidas amorosoas.

Além disso, a direção muitíssimo bem amarrada foi destaque, aliada a uma direção de arte com locações elaboradas e externas suntuosas, recriando com esmero o cotidiano das comunidades mais pobres do Rio de Janeiro.

Parece implausível, no mínimo, acusar o Falabella de racismo. Contudo, são justificáveis as queixas de espectadoras, militantes e blogueiras negras que se veem representadas de forma limitada, como se o sexo fosse o principal ingrediente de suas existências. A filha e a neta de uma das personagens, para citar um exemplo, ganharam apenas segundos na tela, bem como suas vidas profissionais – que, valha-me, deveriam ser tão ou mais interessantes do o que fazem na cama ou fora dela.

Ainda que seja refrescante ver, pela primeira vez, uma série da TV Globo, maior emissora do país, com quatro protagonistas negras, certas questões são relevantes. Ainda mais na mesma semana em que a ONU divulga um relatório afirmando que o racismo no Brasil é “institucionalizado” e que a tão valorizada “democracia racial” do país não passa de um confortável mito. Fica a pergunta: será que a premissa escolhida pela Globo para colocar quatro negras na tela foi a mais responsável?

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