Políticas orientadas à inclusão dos mais pobres não prescindem da ênfase na questão racial
(O Globo, 22/10/2016 – acesse no site de origem)
Foi o historiador Luiz Antonio Simas quem chamou atenção, em ótimo texto ainda no primeiro turno, para ausência de debate sobre construção da igualdade racial na campanha. Nenhum dos candidatos a prefeito, sublinhou, “demonstrou articular reflexões sobre políticas efetivas de combate ao racismo como elemento crucial e central para a construção da cidade socialmente justa”. A despeito de alcançar as mais importantes atribuições do poder municipal — saúde, educação e empregos — a discriminação racial foi tratada superficialmente na disputa pelo Rio de Janeiro.
Políticas públicas orientadas à inclusão dos mais pobres não prescindem da ênfase na questão racial. Sozinha, a universalização não gera equidade de oportunidades nem qualidade de serviços a segmentos vulneráveis. O Mapa da Violência 2015, por exemplo, foi dedicado ao feminicídio. De 2003 a 2013, enquanto a taxa de homicídios de mulheres brancas no país caiu 11,9% (de 3,6 para 3,2 mortes por cem mil habitantes), a das negras subiu 19,5% (de 4,5 para 5,4). Significa que as medidas de combate à violência contra a mulher carecem de foco na população negra. Da mesma forma, na epidemia de assassinatos de jovens de 15 a 29 anos, pretos e pardos são quase 80% das vítimas.
Na saúde também há necessidade de melhorar o atendimento à população negra. A gravidez na adolescência, por exemplo, afeta mais as meninas de pele preta e parda. Negras sofrem mais com a violência obstétrica e têm índices superiores de morte no parto. Investigação da Fiocruz sobre consultas pré-natal mostrou que entre gestantes brancas, 80% tiveram seis ou mais consultas, dez pontos percentuais a mais que as negras. A desigualdade racial no sistema é evidente.
Indicadores sociais do IBGE mostram hiatos também na educação. Na faixa etária de zero a 3 anos, 28,7% das crianças brancas estavam em creches em 2014, contra 20,7% das negras. Entre os 4 e 5 anos, as proporções passaram a 85,7% a 80,4%, respectivamente. Cerca de 94% das crianças de 6 a 14 anos, brancas e negras, estavam matriculadas no ensino fundamental. Contudo, entre o sexto e o nono anos, 83,4% dos brancos continuavam na escola; entre os negros, 75,1%. A proporção dos que concluíram o ciclo básico também é desigual: 87,4%, contra 76,5%. No ensino médio, sete em cada dez adolescentes de 15 a 17 anos autodeclarados brancos estavam na escola; entre os negros, metade. Nesse cenário, candidatos a prefeito não podem secundarizar o combate ao racismo, pois estarão, na verdade, deixando suas digitais no velho padrão brasileiro de desigualdade.