O Ministério Público Federal (MPF) em Volta Redonda (RJ) celebrará, no próximo sábado (6), o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para pôr fim a encenação sobre a escravidão para turistas que acontecia na Fazenda Santa Eufrásia, localizada em Vassouras
(RJ), bem como propor medidas reparatórias que serão adotadas para que o estabelecimento receba o selo “Fazenda sem Racismo”.
(UOL, 03/05/2017 – Acesse o site de origem)
Vendido como “turístico”, o passeio viralizou nas redes sociais no final de 2016, quando uma reportagem do The Intercept Brasil falou sobre as simulações do período da escravidão realizadas nas instalações, que datam do início do século 19. Nelas, a proprietária, Elizabeth Dolson, se trajava como “sinhá” e comandava os empregados, que ficavam vestidos como escravos.
A situação foi objeto de investigação no MPF (Inquérito Civil Público nº 1.30.010.000001/2017-05) após a reportagem original. Na época, em entrevista ao UOL, Elizabeth negou que as encenações no passeio eram racistas e disse que os visitantes nunca reclamaram.
“É como um teatro. Não tem nada a ver com realidade. Ninguém é sinhá, ninguém é mucama aqui. A gente faz uma peça. Não tem nada de racismo. Tem mucamo branco, preto, gente de tudo quanto é cor. As pessoas veem as minhas mucamas e tem uns que
dizem ‘olha, gostei tanto que dei um trocadinho para elas’. Tem gente que antes de sair tira foto”, afirmou.
O inquérito apurou a violação de direitos fundamentais na programação turística da Fazenda Santa Eufrásia, bem como a possível violação ao patrimônio histórico, tendo em vista a sua finalidade de educação e reparação simbólica de violações de direitos perpetradas no local em tempos passados. No curso da investigação, foi confirmada a veracidade dos fatos relatados na reportagem.
Fim da encenação
Fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras, interior do Rio de Janeiro
Imagem: Reprodução/Site oficial da Fazenda Santa Eufrásia.
O local é a única fazenda particular tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio de Janeiro (Iphan-RJ), por conta de sua importância histórica, cultural e paisagística. No acordo que será celebrado, estão proibidas de ocorrer
encenações ou a utilização de vestimentas por pessoas negras ou brancas que as caracterizem como “mucamas”, ordem que também se estende aos visitantes. As proibições valem tanto para o conteúdo divulgado no local quanto na internet (site e redes sociais da fazenda).
“Com isso, vamos contribuir para a superação da associação da imagem do negro ao ‘escravo’ em nossa sociedade e ainda esclarecer que africanos e seus descendentes foram escravizados e não ‘nasceram escravos’ e que ninguém ‘descende de escravos’, tratando-se de pessoas, de homens e mulheres, de seres humanos que foram criminosa e injustamente escravizados”, explica o procurador da República Julio José Araújo, em nota oficial.
Placas com nomes
Dentre outras obrigações, os responsáveis pela fazenda se comprometeram a custear e instalar na área externa à casa, no prazo máximo de 60 dias, em local de fácil acesso e de visitação, duas placas: uma explicando a história do local e a outra com o nome
dos 162 pessoas escravizadas no ano de 1880 na fazenda, como dever de memória e homenagem.
Outra medida será a confecção de 500 folhetos educativos sobre a história da comunidade cativa da Fazenda Santa Eufrásia, com divulgação do conteúdo também no site. Para assegurar que não haverá reincidência do episódio, a gestora e todas as pessoas
responsáveis por receber visitantes deverão, no prazo de 60 dias, passar por processo de capacitação, com carga horária de 12 horas. Em caso de descumprimento do acordo, a multa diária prevista é de R$ 5 mil.