Itamaraty exclui de concurso 47 candidatos autodeclarados negros

12 de setembro, 2016

A comissão incumbida de verificar a autodeclaração dos candidatos que se inscreveram como negros no concurso de admissão à carreira diplomática reprovou 47 das 100 pessoas que compareceram à entrevista. Havia 60 vagas reservadas para esse grupo na próxima fase.

(Folha de S.Paulo, 12/09/2016 – acesse no site de origem)

A lista, ainda provisória, tem causado polêmica entre diplomatas e aspirantes ao cargo, para quem a comissão excluiu pardos da seleção, entre outras controvérsias.

O grupo de pessoas negras —53,6% da população, de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2014— é composto por pessoas pretas (8,6%) e pardas (45%).

Alguns dos reprovados pela comissão haviam sido beneficiários do Programa de Ação Afirmativa do próprio Instituto Rio Branco —o projeto concede bolsa de R$ 25 mil a negros autodeclarados que passem por prova objetiva e banca de verificação.

É o caso do servidor público federal Danilo Silvério, que participou do programa em cinco anos diferentes —2006, 2008, 2009, 2010 e 2011—, o máximo permitido. No total, Silvério recebeu R$ 125 mil em investimentos do Estado, fora despesas de viagens do programa.

“Toda sociedade vê você como negro, mas uma banca formada para isso não?”, disse ele à Folha. Se o recurso não for acatado, Silvério, cuja nota seria suficiente para aprovação na concorrência geral, será excluído. É o que determina portaria recente do Ministério do Planejamento, que prevê eliminação em caso de declaração considerada “falsa”, “sem prejuízo de outras sanções”.

Após o resultado da primeira fase, foi reaberto o prazo para que negros pudessem desistir de se autodeclarar. Apesar disso, Silvério e a maioria dos outros candidatos que já tinham nota para passar mantiveram seu desejo de disputar pelas cotas.

A eventual eliminação de Silvério e outros 11 autodeclarados negros que tinham pontuação para passar sem cotas beneficiará os não cotistas que se saíram pior na prova objetiva, já que a nota de corte será reduzida.

Demandadas pelo próprio movimento negro, as comissões de verificação visam a evitar casos como o do médico Mathias Abramovic. Branco de olhos verdes, Abramovic causou indignação ao se inscrever como cotista e se declarar “afrodescendente” em uma época em que checagens não eram previstas.

Diplomatas ouvidos pela Folha avaliam que a comissão, na tentativa de barrar aqueles que se declaram negros por conveniência, excluiu pardos.

‘FRAUDADORES’

Em círculos de aspirantes a diplomatas, candidatos citam o caso de Lucas Nogueira Siqueira —que teve a autodeclaração rejeitada e assiste às aulas do Instituto Rio Branco sub judice— e procuram identificar o que chamam de “fraudadores”, “falsos negros”, “afroconvenientes” ou “cenourões”.

O último termo faz alusão a casos hipotéticos de pessoas brancas dispostas a fazer bronzeamento artificial para prestar o concurso. Em meio às acusações, muitos dos reprovados se queixam de desgaste e de ter a identidade roubada.

“Eu acordei negro e fui dormir branco”, escreveu um à Folha. “Parece que eu não sou branco o bastante para passar incólume por uma batida policial, mas não sou negro o bastante para as cotas. Nem me preocupa mais a prova”, concluiu.

Para Danilo, o processo é discriminatório: “Enquanto o pessoal da ampla [concorrência] está lá estudando, a gente tem que ir até Brasília, ir atrás de passagem.”

APOIO

A ONG Educafro, que trabalha com incentivos negros, publicou carta aberta parabenizando o Itamaraty pelo combate a fraudes.

O texto fala em três tipos de pardos: pardo-preto, pardo-pardo e pardo-branco. “Convém priorizar os pretos e pardos-pretos e, se sobrarem vagas, dar-se-á oportunidade aos demais pardos”, diz o texto.

Candidatos reprovados receberam parecer afirmando que eles não foram classificados como “pardo-pardo, pardo-preto ou preto.”

Procurado, o Itamaraty informou que não se manifestaria sobre o caso até a publicação desta reportagem.

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