Karol Conka fala sobre feminismo e racismo: ‘Preconceito machuca’

03 de setembro, 2016

Rapper chegou a passar água sanitária nas mãos para ‘ficar branca’ e ser aceita

(O Globo, 03/09/2016 – acesse no site de origem)

Tombar, segundo o dicionário Aurélio, significa cair; declinar; descair; deslizar. O verbo, porém, ganha novas formas e significados na voz rouca e forte da rapper curitibana Karol Conka, de 30 anos — o clipe do mega sucesso “Tombei”, por exemplo, tem mais de cinco milhões de visualizações no Youtube. Alçada à fama com hits que falam sobre feminismo, racismo e empoderamento, a jovem se tornou símbolo de uma geração que pensa e veste o que quer.

— Tombar é ser feliz. Se sentir realizado de uma maneira simples e prática — explica a porta-voz da “geração tombamento”, como ela mesma define: — É uma galera que não quer mais saber de opressão e que está cansada de julgamentos e rótulos — explica Karol.

Leia mais: ‘A gente é mais feliz quando se aceita’, diz rapper Karol Conka (Geledés, 0409/2016)

Com os pés no chão, ela conta que, desde a infância dura na periferia de Curitiba, Karoline de Freitas Oliveira, a Karol “com K” na chamada da escola, já sonhava com o dia em que seria uma artista famosa:

— Só não sabia que seria tão rápido — confidencia a fã da apresentadora americana Oprah Winfrey. — Queria perguntar se ela quer ser minha amiga. E, quando eu ficar velhinha, quero ter um programa como o dela. Mas eu seria ainda uma mistura dela com Dercy Gonçalves e Elke Maravilha.

Morando em São Paulo, porque é mais perto dos compromissos profissionais, Karol revela que é na capital paranaense que fica seu coração: Jorge, de 10 anos. Como boa mãe, “mamacita” tenta proteger o pequeno da loucura que é a vida de uma artista que segue carreira nos palcos e na internet.

— Tento deixá-lo um pouco distante dessa loucura toda. Mas temos uma relação muito aberta e conversamos sobre tudo. Explico para ele que algumas pessoas falam demais sobre coisas que não conhecem e que ele não deve levar a sério muito do que dizem na internet. Também já contei para ele que algumas pessoas ruins têm problemas na cabeça e no coração, e que por isso se acham diferentes ou melhores que a gente por causa da cor da pele ou da posição social — diz Karol, antes de lembrar uma passagem da infância:

— Aos 9 anos, um coleguinha da escola disse que só falaria comigo quando eu fosse branca. Quando cheguei em casa, coloquei minha mão em um balde com água sanitária, porque via minha mãe clareando os panos de chão daquele jeito. Meus pais perceberam o que eu tinha feito e me explicaram que as pessoas que me achavam feia e me chamavam de macaca tinham problemas de visão. Que eu era linda, que eles me amavam exatamente como eu era e que, principalmente, eu deveria me amar. Desde então, não me deixei mais abalar por isso. Não quero contar história triste ou bancar a vítima, como dizem por aí, mas as pessoas precisam entender que o preconceito machuca e deixa marcas profundas na gente.

‘CARA DE PAU’

Sobre seu envolvimento com a música, em especial com o rap, ela diz que não teve medo do machismo e dos olhares tortos que precisou enfrentar em um ambiente predominantemente masculino e fechado:

— Sempre fui cara de pau, e isso me ajudou a não abaixar a cabeça para ninguém. Já sabia que seria xingada e que o meu trabalho seria visto com indiferença só porque sou uma menina. Mas mostrei que minha música é séria, que não estava brincando quando dizia que ali era o meu lugar. Falava com todo mundo de igual para igual. Assim, aos poucos, fui ganhando meu espaço e o respeito dos outros músicos.

A veia artística da rapper foi descoberta precocemente, ainda na adolescência. Inspirada na mãe, que até hoje rabisca versos em cadernos espalhados pela casa, Karol arriscou escrever um poema para um festival na escola.

— Fiz uma poesia e, quando li no palco, disseram que era música, que era rap. Naquela hora, decidi o que queria “ser quando crescer”.

Adiada com a chegada da maternidade, aos 19 anos, a carreira foi um ponto de desentendimento na família. Com a relutância da mãe, Karol precisou provar que seria capaz de dar conta das responsabilidades com o filho e com a vida.

— Depois da morte do meu pai, minha mãe me criou sozinha. Ela queria que eu terminasse os estudos, trabalhasse e fosse independente. Ela tinha medo dessa coisa de ser artista. Ouvi bem os conselhos e conquistei a confiança e o orgulho dela — explica a cantora, que diz não deixar o sucesso subir a cabeça: — Tenho muita estrada pela frente. Não dá para ficar deslumbrada.

(Foto: Rodrigo Bueno/Fotos cedidas pela EVA)

ESTRELA DO VERÃO 2017 DA EVA

Ora com trancinhas, ora curtinhos, os cabelos coloridos e as roupas chamativas são marca registrada no visual criativo de Karol. A atitude fashion a aproximou do mundo da moda, transformando a cantora em queridinha de estilistas, como Alexandre Herchcovitch, Reinaldo Lourenço, Adriana Bozon, da Ellus, e Priscila Barcelos, da Eva. A marca carioca, braço feminino do grupo Reserva, escalou Karol para a campanha do verão 2017. A rapper está caliente e feliz da vida nas fotos, com styling de Dudu Bertholini. Pudera: a coleção da Eva promove um casamento do cineasta espanhol Pedro Almodóvar com a artista mexicana Frida Kahlo.

— Moda é uma forma de expressão, de transmitir o que penso para as pessoas. Vemos poucas mulheres negras, pobres, gordas, gays, da periferia representando a gente na mídia. Para mim, é muito importante representar essas mulheres. Alcançar meus sonhos e mostrar que a gente pode, sim, ser bonita, gostosa e vestir o que nos faz feliz. Que a gente quer nosso espaço, que a gente quer falar de sexo e de amor, ou só de sexo. Que temos o poder e, para mim, poder é amor próprio e aceitação. Estou me achando o máximo nessas roupas provocantes.

Sobre feminismo, ela explica que nem mesmo a postura incisiva com que defende as mulheres em seus shows afasta homens abusados, que com frequência passam dos limites.

— Em um show na Barra, um cara fez gestos obscenos na minha direção. Simulava sexo comigo. Pedi para os seguranças retirarem o cidadão da boate e ele começou a gritar que eu não sabia quem ele era. Que era rico e poderoso. Virei uma garrafa d’água na cabeça dele. E passei um sermão no palco. Estava trabalhando. Se não curte minha música não precisa ir para o meu show, não precisa clicar nos meus vídeos. Não precisa olhar para mim.

Ainda sobre respeito e empatia, Karol reforça que, para ela, essas são duas palavras mágicas para uma boa convivência entre as pessoas. Dentro e fora das redes sociais.

— Quando você respeita e tem empatia, não julga as pessoas. Passa a entender as diferenças e convive com as quais quer conviver. É difícil, mas precisamos tentar. Não entendo por que as pessoas têm essa necessidade de odiar, de procurar alguém para falar mal e para criticar o tempo todo.

Dividindo o palco com sua afilhada musical, MC Soffia, de apenas 12 anos, Karol cantou na cerimônia de abertura da Olimpíada, entrando para a história esportiva do Rio. Para outubro, ela promete muitas novidades, com o lançamento do segundo álbum de sua carreira.

— Nele, continuo falando sobre o empoderamento da mulher negra. Sobre os problemas que enfrentamos de uma maneira sincera e ácida, e é disso que as pessoas gostam. Jogo limpo sobre o que penso e acredito. No meu dia a dia, sou a mesma Karol do palco, só que sem salto e com um pouco menos de plumas e brilho.

Kelly Krishna Rios

 

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