(Terra, 15/06/2015) “A pessoa que responder o censo precisa considerar se já sofreu algum tipo de discriminação pela cor de sua pele”, diz coordenador
Você já foi discriminado por causa da cor de sua pele? A pergunta é o que deve nortear a participação em um censo racial que o Ministério Público de São Paulo aplicará até o próximo dia 30 entre os mais de 2 mil promotores e procuradores que compõem a instituição. O resultado deve ser decisivo para que os próximos concursos públicos tenham vagas a serem preenchidas por cotistas.
O censo, inédito no MP-SP, é aplicado desde a semana passada eletronicamente e é obrigatório, segundo ato normativo publicado pela Procuradoria-Geral de Justiça e pela Corregedoria-Geral do MP no Diário Oficial do Estado no último dia 9. Pelo questionário, os participantes devem informar sobre sua raça ou etnia.
Entre as opções a serem escolhidas pelo entrevistado na declaração de raça/etnia, estão se ele se considera negro – “preto/pardo, conforme a classificação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mais a classificação do Estatuto da Igualdade Racial” –, branco, indígena ou amarelo.
“A pessoa que responder o censo precisa considerar se já sofreu algum tipo de discriminação pela cor de sua pele. Com os relatórios dessa pesquisa em mãos, a partir de eventuais distorções, que imagino que existam, eventualmente poderemos sim propor uma política de cotas nos nossos concursos, a exemplo do que os MPs do Paraná e da Bahia, além da Defensoria Pública de São Paulo, já fazem”, informou o coordenador do Núcleo de Políticas Públicas do MP-SP, promotor Eduardo Valério.
O promotor admitiu que a implementação de cotas é assunto polêmico inclusive dentro do MP – a exemplo do que já acontece em outros setores da sociedade, como no ensino superior.
“É assunto polêmico que será tratado dentro dos embates normais que norteiam qualquer ação afirmativa – como a política de meia-entrada para estudantes e as vagas de estacionamento para idosos, por exemplo. A questão de cotas implica em aspectos históricos, políticos e sociais que se tornaram assimétricas ao longo dos anos, com a acumulação de riquezas, e há um enorme desafio em fazer as pessoas entender isso”, declarou o promotor. “Não é para menos que temos uma herança de 300 anos de escravidão e 120 de exclusão – a desigualdade existe e ninguém costuma querer abrir mão de privilégios facilmente. Ou por reflexão sincera ou por pressão, obrigação, isso precisa mudar”, definiu Valério.
Indagado de que raça/etnia ele próprio se define, o promotor respondeu: “Branca, porque nunca sofri preconceito dessa natureza. Mas não é difícil achar quem já passou por isso em ambientes tão triviais como um restaurante, por exemplo”, citou.
Ano passado, a comissão permanente de direitos humanos do Grupo Nacional de Direitos Humanos, do Conselho Nacional de Procuradores Gerais, aprovou proposta de moção para que se recomendasse aos Ministérios Públicos brasileiros a imediata adoção de reserva de vagas destinadas aos negros nos concursos de ingresso na instituição. Para tal, os MPs teriam de aplicar censos que subsidiassem eventual política de cotas.
Janaina Garcia
Acesse no site de origem: MP-SP estuda cotas para negros em concursos de promotores (Terra, 15/06/2015)