Paulina Chiziane e a escrita como teimosia e símbolo político

07 de outubro, 2016

Escrever é um ato político. Não sou a primeira a fazer essa afirmação, mas acredito tanto nela que a tomo como minha também. Se a escrita poderá ser tornada manifesto numa ciência livre do mito da neutralidade, na literatura a potência para a escritura política certamente estará ainda mais rodeada de beleza. Paulina Chiziane é uma dessas mulheres escritoras que nos aproximam com suas histórias e teimosias. Sim, teimosia não é classificação minha, mas da própria Chiziane ao se descrever como mulher que também utiliza da escrita como espaço de negociação para construção de sua própria identidade.

(HuffPost Brasil, 07/10/2016 – acesse no site de origem)

Para quem acredita que as localizações no mundo importam, devem saber que Chiziane é mulher negra e moçambicana. E aqueles que a desconhece, faço aqui o meu convite para experimentarem seus romances e contos. O primeiro romance Balada de Amor ao Vento teve sua primeira edição em 1990. Ela foi a primeira mulher moçambicana a publicar um romance em seu país. Chiziane narra a história de Sarnau, mulher que se apaixona ainda menina por homem que a abandona grávida para casamento encomendado pelos pais. Sarnau sofre aborto e tenta suicídio, mas o destino não a quis fantasma – num acaso, a rainha a encontra e escolhe Sarnau como a primeira esposa de seu filho e futuro rei. Sarnau é tornada jovem rainha, mas vive reinado de poligamia e violência.

A mulher apaixonada, tornada rainha para servidão e obediência a seu marido-rei foi a primeira de muitas personagens de Chiziane. A escritora diz não inventar histórias – todas personagens representam vivências do mundo compartilhado. Antes de escritora Chiziane se descreve como uma ouvidora de vivências e vidas, mas que em alguma medida também são suas, pois conta histórias de mulheres. Em entrevista recente Chiziane descreveu os seus escritos como desabafos. Diz que desde pequena via sua mãe e outras mulheres da aldeia usarem cantigas como expressões da necessidade de desabafar dores e lamentos pelo vivido numa sociedade injusta para as mulheres. Cantava-se cantigas no rio ao lavar roupas, na colheita das machambas ou no socar do pilão. “A condição social da mulher inspirou-me e tornou-se o meu tema”, disse anos antes (Chiziane, 2013 :200).

Se para Chiziane contar histórias é liberdade, para nós leitoras ler os seus pensamentos é um privilégio. Se entendermos que a escrita em tempos de ameaça à democracia e recrudescimento de direitos pode ser uma forma de resistir – ler é se aproximar, é experimentar, é subverter.

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