‘Quem manda aqui?’: Paulina Chiziane é mais do que uma mulher negra escritora de Moçambique, por Debora Diniz

14 de julho, 2016

(Brasil Post, 14/07/2016) Paulina Chiziane é mais do que uma mulher negra escritora de Moçambique. Quero assim sem vírgulas na descrição de quem quer que ela seja. Não cabe isso de identidades do mundo – ela é Pauline Chiziane, a primeira contadora de história com direito à livro com assinatura própria em Moçambique. Ela também já renunciou aos variados títulos que lhe concederam: feminista tradicionalista espiritista romancista. Recentemente, anunciou: “Não volto a escrever. Basta!”. Se fosse branca ou homem, diz ela, “diriam que Paulina é uma grande antropóloga”.

Li a entrevista em que decretou o abandono do papel e da caneta; senti tristeza pelo que não mais lerei. Chiziane é uma mulher que escrevia diferente e não suportou os que a liam mal. Ser descrita como antropóloga pode ser título importante para os homens e brancos, mas para a mulher negra escritora moçambicana teria sido melhor ser a contadora de histórias. Mas uma contadora de história é uma mulher do povo, não recebe salário nem honraria. Uma contadora de história precisa se explicar sobre como descobriu que o passado de colonização foi danoso ao povo de Moçambique.

Eu queria implorar – por favor, escreva. Mas meu pedido não servirá: não sou mulher preta africana e solitária na escritura. Chiziane escreve sobre tabus e silêncios, o mundo vivido entre mulheres e homens pelos cantos de Moçambique. Ela diz ter tido “coragem, trabalho e pesquisa” para fazer o que já fez. A verdade é que ela não esperava reconhecimento de quem não a admira, mas queria não perder tempo com quem anuncia erros nas histórias publicadas. Se estiverem erradas, deixem a mulher; é tudo só ficção. Mas se for insuportável, pois fala do vivido injusto, deixem Chiziane escrever.

Paulina Chiziane_Mocambique

“Não gosto de política”, diz ela, mesmo sabendo que seus escritos são políticos. Suas personagens femininas desafiam tradições como a da poligamia; as mesmas mulheres que se inquietam com as origens do mundo e os deveres de dízimos em um país de gente pobre. É isso: Chiziane faz uma política potente pela escritura, obriga os seus leitores imaginarem outro mundo para além daquele que, confortavelmente, saboreiam as benesses.

Ela diz que seus escritos servem para “descolonizar a mente do moçambicano”. É muito mais do que isso: serve para descolonizar a mente do português que invadiu, destruiu e colonizou Moçambique; serve para os colonizados brasileiros que celebram a herança portuguesa e ignoram as misérias da exploração. Chiziane descoloniza quem a lê: ela é como a andorinha do conto, “Quem manda aqui?”, que esvazia os intestinos no olho do imperador que descansa ao pé de uma árvore. O imperador aviltado pela cagada da andorinha nos olhos a transforma em maior inimiga do império – mas a andorinha não é só um pássaro miudinho e pacífico, é um enviado mágico do grupo inimigo do imperador.

É assim que entendo os que desdenham dos escritos de Chiziane: a leem como uma andorinha que caga nos olhos, que desafia os leitores com a pergunta “Quem manda aqui?”. A resposta só pode ser uma – Chiziane é quem manda nas letras e libera os intestinos nos olhos de leitores que não suportam uma mulher negra escritora de Moçambique traçando a antropologia de um país esquecido pela bruta colonização branca.

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