Pela primeira vez, Estado brasileiro reconhece discriminação racial e de gênero no ambiente de trabalho para Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)

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Foto: @stefamerpik/Unplash

30 de junho, 2023 Governo Federal Por Redação

Manifestação feita pela AGU e pelo Ministério da Igualdade Racial mostrou esforços do país para enfrentar o tema e admitiu violação de direitos diante do Tribunal

O Estado brasileiro reconheceu nesta quinta-feira (29/06), perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), violações aos direitos de duas mulheres negras (Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira) à razoável duração do processo criminal no julgamento de acusação de discriminação racial no ambiente de trabalho.

Esta é a primeira vez que o Estado brasileiro faz um reconhecimento formal do tipo em um caso envolvendo discriminação racial. A admissão foi realizada durante alegações finais orais apresentadas pela Advocacia-Geral da União (AGU), que também contou com a participação dos ministérios das Relações Exteriores (MRE) e da Igualdade Racial (MIR), durante o julgamento do caso pela Corte em sua sede em São José, na Costa Rica.

A manifestação é fundamentada em dois dispositivos (8.1 e 25.1) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), tratado do qual o Brasil é signatário, que tratam do direito à razoável duração do processo e do direito de acesso à Justiça.

O fato que deu origem à causa ocorreu em março de 1998, mas a finalização dos procedimentos criminais relativos à acusação de discriminação racial só ocorreu em 2009, mais de onze anos depois. No intervalo, a Justiça brasileira chegou a declarar indevidamente a prescrição do processo, em 2004. O entendimento foi revisto em 2005, mas o episódio contribuiu para atrasar ainda mais o trâmite do processo.

“O Estado brasileiro reconhece que esses eventos prejudicaram substancialmente o bom andamento e o prosseguimento rápido da demanda perante o Poder Judiciário, alargando injustificadamente o prazo de resposta à acusação de discriminação racial”, declarou o advogado da União Tonny Teixeira de Lima, responsável por fazer as alegações finais por parte da AGU. “Essa circunstância resultou na violação de direitos agora reconhecida perante esta Corte Interamericana”, complementou.

Em outro trecho das alegações, Teixeira de Lima acrescentou que, embora se reconheça a complexidade na investigação e julgamento de crimes como o relativo ao caso e também o fato de o Judiciário brasileiro ter dado resposta definitiva para a demanda, “ é certo que a sua resolução tardou a ocorrer e revelou uma falta de instrumentos hábeis a garantir, em tempo razoável, o processamento dos fatos, previsibilidade na atuação judicial e, por consequência, segurança jurídica às autoras da denúncia”.

Conjunto de medidas

Durante as alegações, o Brasil não admitiu violações a outros dois dispositivos do Pacto de São José da Costa Rica questionados pela acusação que dizem respeito à igualdade das pessoas perante a lei e ao compromisso dos Estados-parte de adotar providências para obter a plena efetividade dos direitos previstos no Tratado.

Na manifestação, foi destacado que, no Brasil, o racismo é fruto de um “longo e infeliz processo histórico refletido em instituições e práticas excludentes, que geraram e continuam a gerar uma configuração social fragmentária, desigual e injusta”. Contudo, foi assinalado que o país tem adotado, ao longo dos anos, um amplo conjunto de medidas para enfrentar a questão.

A lista inclui desde dispositivos da Constituição Federal que repudiam expressamente o racismo até adesão a convenções e tratados internacionais por meio dos quais o Brasil assumiu o compromisso de adotar medidas para enfrentar a discriminação, passando por um conjunto de leis que visam punir crimes relacionados ao preconceito ou promover a inclusão da população negra (como as leis de cotas raciais no ensino superior e nos concursos públicos), bem como pela jurisprudência consolidada em tribunais trabalhistas a favor de indenizações a trabalhadores que sofrem preconceito.

“Há uma infinidade de outras políticas públicas em andamento em prol da busca da eliminação das desigualdades raciais em nosso país”, destacou o advogado da União Tonny Teixeira de Lima. Ele ressaltou também que o Estado brasileiro é consciente do desafio exigido pelo enfrentamento ao racismo e, por isso, institucionalizou esse combate em múltiplas frentes. “Apesar dos esforços, é cediço que a implementação do combate efetivo à desigualdade racial é um desafio constante, que precisa ser enfrentado continuamente no seio da sociedade brasileira para que se promova a construção de uma democracia igualitária, multirracial e multiétnica”, completou.

Pedido de desculpas

Além das alegações orais em que admitiu a violação dos direitos de Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira, o Estado brasileiro formulou um pedido de desculpas formais às vítimas, no qual declara que ser “lamentável e inadmissível que qualquer pessoa, por conta da sua origem étnica, raça ou cor, deixe de seguir os seus sonhos, não tenha a liberdade de escolher um ofício ou profissão e/ou seja cerceado de experenciar a plenitude da sua própria existência”.

O advogado-geral da União, Jorge Messias, comemorou a manifestação realizada pela AGU na condição de representante do Estado Brasileiro. “Esse reconhecimento é mais uma mostra do compromisso que nosso país tem com a garantia efetiva dos direitos humanos em seu território”, disse. “O mundo está percebendo com clareza nosso esforço em melhorar a atuação de nossas instituições no enfrentamento das mazelas que, infelizmente, ainda atingem boa parte de nossa população, como o racismo tratado nesse caso”.

Alcântara

Em abril, o advogado-geral da União participou de audiência perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, só que na ocasião em Santiago, no Chile, na qual o Estado brasileiro admitiu outras violações de direitos humanos. Na oportunidade, foi discutido o caso das comunidades quilombolas de Alcântara (MA).

Sobre a Corte

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um dos três tribunais regionais de proteção de direitos humanos, juntamente com as cortes Europeia e Africana de Direitos Humanos. É uma instituição judicial autônoma cujo objetivo é aplicar e interpretar a Convenção Americana, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica – tratado internacional que estabelece direitos e liberdades que devem ser respeitados pelos Estados-parte, dentre os quais se inclui o Brasil. O Tribunal exerce competência contenciosa, o que confere a atribuição de resolução de litígios e supervisão de sentenças. Também exerce função consultiva, além de proferir medidas provisórias.

A Convenção Americana estabelece que a Comissão Interamericana e a Corte IDH são órgãos competentes para conhecer de assuntos relacionados ao cumprimento de compromissos contraídos pelos Estados Partes signatários do tratado.

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