(Estado de Minas, 04/02/2015) Ao ver policiais militares abordarem um grupo de jovens e reterem somente os de pele negra, a advogada e ex-secretária de Igualdade Racial do Distrito Federal (DF), Josefina Serra, de 53 anos, decidiu questionar a ação. O ato enfureceu os PMs. Em resposta, ela passou por uma revista truculenta e ouviu xingamentos racistas. A agressão aconteceu em 7 de outubro do ano passado e é investigada pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Em outro caso, mais antigo, uma policial disputava uma vaga de secretária de um coronel. Era mais qualificada do que as concorrentes, mas não conseguiu o cargo. O que a diferenciava das outras candidatas era a cor da pele. Ambos os casos se enquadram no racismo institucional, quando a agressão é praticada pelo agente do Estado, no exercício da função. Por esse motivo, a Academia da Polícia Militar decidiu ensinar aos agentes técnicas e conteúdos desenvolvidos por especialistas no assunto.
A modalidade de preconceito pode atingir o cidadão ou um servidor com dificuldades em ascender na carreira por causa da cor. Em relação às abordagens nas ruas, o racismo institucional se revela, muitas vezes, inconscientemente, quando o militar vê a cor da pele como uma das características de um suspeito. Mas não há balanço oficial. Um dos motivos é que a Justiça Militar não prevê um tipo penal semelhante ao crime de racismo ou de injúria racial. Além disso, a vítima tem medo de represálias.
Nesse contexto, um grupo de estudos trabalha dentro da corporação para evitar que situações semelhantes se repitam. Policiais militares, o promotor do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do MPDFT, Thiago Pierobom, e o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Alberto Santos de Paulo, desenvolveram técnicas de abordagem nas ruas e conteúdos de direitos humanos destinados para a Academia da Polícia Militar. Assim, eles fazem parte dos currículos de formação, extensão e aperfeiçoamento de policiais.
Entre as orientações, um policial, ao se deparar com uma situação de injúria racial, deve prender o agressor em flagrante em vez de tentar reconciliar as partes. Além disso, os PMs precisam reunir o máximo de testemunhas, com nomes e telefones, e observar se há circuito de câmera no local. De acordo com o protocolo, caso o delegado encarregado da ocorrência classificar o caso como um desentendimento, o militar e a vítima devem procurar o Ministério Público. “A PM elaborou uma portaria que será assinada pelo comandante-geral, acolhendo a recomendação do MP”, adianta o promotor. Em 2014, o Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do MPDFT registrou 47 casos de injúria no DF, uma média de mais de três por mês. Em 2013, chegou a 60.
Negra fedida
No último dia 15, a Polícia Militar de Minas Gerais foi questionada depois de intermediar uma agressão contra uma mulher negra na Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte. Chamada de “negra imunda, negra insolente, negra fedida e puta”, por um senhor, em uma casa lotérica, a mulher aceitou o pedido de desculpas depois que o agressor lhe ofereceu R$ 200. Apesar de cometer um crime inafiançável, ele deixou o local livre, sem algemas e sem vergonha pelo feito. A Polícia Militar foi acionada mas, ao invés de registrar a ocorrência, presenciou o pagamento pelo silêncio da moça ofendida.
Procurada pela reportagem, a PM informou que a conduta do militar foi correta já que o fato consiste em ação penal pública condicionada, ou seja, o crime só pode ser registrado se a pessoa ofendida decidir prestar queixa. Segundo a corporação, todos os policiais são orientados a instruir vítimas de injúria sobre seus direitos em casos como este, entretanto, não souberam informar se neste episódio específico a mulher foi avisada de que, caso não aceitasse o dinheiro, poderia receber indenização ainda maior fixada por um juiz, além de colocar seu agressor atrás das grades.
Luiz Calcagno com Clarissa Damas
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