O racismo institucional continua sendo um obstáculo para a efetivação das políticas públicas de saúde para a população negra
No dia 13 de maio de 2009, foi criada a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), com o objetivo de combater a desigualdade racial no Sistema Único de Saúde (SUS). Três anos antes, no entanto, já havia sido instituído o Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, celebrado em 27 de outubro – fruto da luta de movimentos sociais, especialmente de mulheres negras. Dezenove anos depois, é notável que houve avanços nas discussões sobre a saúde da população negra, porém, persistem entraves que impedem a efetivação dessas políticas públicas.
Se, por um lado, houve progresso no debate e na coleta de dados, por outro, a implementação das políticas ainda esbarra na falta de ação concreta. Celso Monteiro, professor e coordenador da Aliança Pró-Saúde da População Negra, ressalta que o racismo permanece enraizado na área da saúde e que a efetivação de políticas públicas exige ação no campo político. “Isso requer tomada de decisão, sobretudo no campo político, porque estamos falando de racismo. Então, requer uma outra dinâmica institucional para que os indicadores de saúde sejam alterados.”
O racismo na saúde, como aponta Celso, vai além da discriminação individual e se consolida como um problema institucional. Outro ponto crucial destacado por ele é a necessidade de enfrentar o racismo no SUS. Isso levanta a questão: por que, mesmo com dados que evidenciam desigualdades, as práticas e métodos de trabalho não são revistos para garantir um atendimento mais justo à população negra?
Obstáculos
A desumanização no atendimento é especialmente incisiva quando se trata de mulheres negras, que lideram os dados de mortalidade materna e violência obstétrica. Segundo o Boletim Epidemiológico da Saúde da População Negra, publicado pelo Ministério da Saúde em 2023, o número total de óbitos de mortalidade materna de mulheres negras em 2020 foi de 1.284. As principais causas foram hipertensão, hemorragia e infecção puerperal, que responderam por cerca de 30% dos casos. Além disso, a Covid-19 foi responsável por 22% dos óbitos maternos no país em 2020, sendo 63,4% dessas mortes entre mulheres negras.
Além dos índices de mortalidade materna, a população negra no geral sofre com maior gravidade e frequência de doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019 revelou que a prevalência de hipertensão entre pessoas negras era de 48,7%, em comparação com 24,4% entre pessoas brancas.
“As pessoas negras são acometidas por pressão alta, têm o maior número de infarto, de acidente vascular cerebral (AVC), de doença arterial obstrutiva, como diabetes e colesterol elevado”, aponta Thayana Santos, médica formada pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
A médica explica que esses fatores de risco derivam de condições impostas por um contexto de vulnerabilidade social, alimentada por um sistema que pratica o “nutricídio”: o consumo de alimentos ultraprocessados, ricos em sódio e açúcar, que são mais baratos e mais acessíveis do que opções nutritivas.
Nesse contexto, a pressão por produtividade, longas jornadas de trabalho, falta de acesso ao lazer e exposição constante à violência contribuem para o desenvolvimento de doenças crônicas.
“Como alguém que não dorme adequadamente, trabalha além do normal, está exposto à violência e não se alimenta de forma saudável pode fazer controle de estresse para tratar a hipertensão?”, indaga Thayana, evidenciando a impossibilidade de separar a saúde cardiovascular das condições materiais de vida.
Anemia Falciforme
A anemia falciforme é um exemplo de doença genética com alta incidência na população negra. Segundo o Boletim Çarê da Saúde da População Negra, publicado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), entre 2012 e 2023, foram registradas 143.412 internações por doença falciforme no Brasil, sendo que 74,7% dessas internações foram de pessoas negras. Além disso, o óbito causado por complicações da doença é 3,7 vezes maior em pessoas negras do que em pessoas brancas.
Apesar de existir uma política específica para a doença no SUS, a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias, ela enfrenta problemas como falta de recursos.
Fabiana Pinto, sanitarista, bacharela em saúde coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora de desenvolvimento de lideranças e cuidados coletivos do movimento Mulheres Negras Decidem, esclarece que há como diagnosticar a doença falciforme desde recém-nascido. “O diagnóstico em recém-nascido é feito pelo teste do pezinho, a partir do Programa Nacional de Triagem Neonatal, então é um diagnóstico que teoricamente é realizado antes mesmo do bebê ter alta da maternidade”. No entanto, a teoria enfrenta a realidade de um sistema fragilizado.