Ventre livre? 150 anos depois da Lei, mães negras seguem lutando pela verdadeira liberdade dos filhos
Mulheres resistem com ações coletivas para tornar realidade a libertação que nunca saiu do papel
(AzMina/UOL – Universa | 19/11/2021 / Por Débora Britto)
Joelma Lima, 39 anos, compreendeu que lutar é o único caminho para que outras crianças não sofram o mesmo que seu filho assassinado por um policial militar quando brincava com um amigo próximo à sua casa. Mário Andrade só tinha 14 anos, uma bicicleta, sonhos de construir uma casa para a mãe, e foi executado brutalmente, sem qualquer possibilidade de reação.
“O extermínio do meu filho mudou completamente a minha vida. Mário não teve liberdade nem sequer para brincar”, afirmou Joelma. As mães que moram em favelas, diz ela, “não têm direito de ter os filhos brincando na rua e de crescerem livres”.
O relato dessa mãe mostra que a Lei do Ventre Livre até hoje não vale. Na época em que foi promulgada era mais um plano das elites brancas para adiar o rompimento radical do sistema escravista. O texto de 1871 estabelecia que filhos de mulheres negras escravizadas nasceriam livres, mas aos 8 anos de vida os senhores de escravos poderiam escolher entre receber do Estado brasileiro uma indenização de 600 mil réis ou cuidar – e valer-se dos serviços da pessoa escravizada – até os 21 anos, com algumas responsabilidades de prover educação.
PAGARAM COM A JUVENTUDE
O que a história registra é que, no geral, um percentual muito pequeno de senhores entregou as crianças ao governo, e um percentual menor ainda garantiu a educação formal para os jovens negros. Assim, a legislação talvez só tenha servido para que as mães enxergassem nos frutos de seus ventres a possibilidade de lutar para garantir que a liberdade se efetivasse. Muitas crianças e jovens bancaram a própria libertação com o trabalho realizado durante todo o período de tutela. Mário Andrade pagou com a vida.