A agressão física nunca é o primeiro sinal no ciclo da violência doméstica
Durante mais de duas décadas, Maria da Penha Maia Fernandes foi alvo de agressões e tentativas de assassinato cometidas pelo próprio marido – entre elas afogamento, eletrocussão e disparo de arma de fogo, que a deixou paraplégica. Ela se tornou vítima emblemática de uma violência que mata e deixa sequelas em milhares de mulheres no Brasil, todos os dias. Em busca de justiça, Maria da Penha se tornou ativista da causa e, em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei Maria da Penha, em sua homenagem. A campanha Agosto Lilás foi instituída em alusão a essa data e promove atividades durante o mês com o objetivo de divulgar e disseminar a lei, além de conscientizar a população sobre a violência doméstica e os direitos das mulheres.
(ND Online/SC, 28/08/2018 – acesse no site de origem)
Embora a lei tenha completado 12 anos, grande parte das vítimas ainda não consegue identificar o ciclo da violência doméstica, que começa de maneira sutil. Nesta reportagem, o ND põe luz nos estágios desse ciclo – também chamado de ‘espiral da violência doméstica’ –, a partir de entrevista com uma sobrevivente, moradora de Florianópolis. Embora a vítima tenha decidido se identificar com a intenção de ajudar outras mulheres, ela pediu para que o nome do ex-companheiro fosse preservado por segurança. Por isso, a reportagem identificou o agressor com o nome fictício de “Marco”, escolhido em referência ao ex-marido de Maria da Penha.
Cuidado com as escadas
Era noite de abril de 2017, véspera do feriado de Tiradentes. Alice Verdade, de 37 anos, o marido e a filha de 1 ano e meio saíram para jantar em um restaurante na cidade onde moravam, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Ali sentados à mesa, a imagem daquela família não correspondia à verdadeira intimidade. Tampouco ao momento-chave que estava prestes a acontecer e que mudaria todo um ciclo.
A comida já havia sido servida quando começou uma discussão entre o casal. Desta vez, Alice retrucou. “Ah, tu é mulher para me enfrentar? Então vamos ver se tu é macho mesmo para me enfrentar lá fora. Vamos acertar essa conta lá fora”, disse Marco, em tom baixo e ameaçador.
Com gosto amargo, o jantar acabou mais cedo. Já no carro, Marco deu partida, mas não tomou o caminho de casa. Ele dirigiu até uma rua erma, onde havia apenas um campo e um terreno baldio. Estacionou e mandou que a mulher descesse. Alice tentou resistir, em vão.
O primeiro golpe foi um chute, que atingiu o abdômen da companheira e também a mão da menina, que estava em seus braços. As duas caíram e a criança rolou no chão. Quando a mãe conseguiu alcançar e abraçar a filha, Marco continuou a agredindo com chutes e pontapés na cabeça, nas costas, nas pernas, por todo o corpo.
Apesar da escuridão, Alice conseguiu enxergar que carros passavam por ali. Assim como aquelas pessoas também poderiam vê-la. Os gritos de socorro saíram de sua boca, mas a ajuda não chegou. Os golpes cessaram somente quando Marco desconfiou que alguém pudesse ter visto a cena. Toda a família, então, voltou para o carro.
O marido perguntou qual seria o destino deles: o hospital ou a delegacia? Alice optou pelo hospital. Marco preferiu buscar apoio médico na cidade vizinha, para evitar a presença de conhecidos.
“O que aconteceu contigo?”, perguntou o médico para Alice, já no hospital.
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Reportagem: Marina Simões E Schirlei Alves
Edição: Beatriz Carrasco
Imagens: Marco Santiago
Arte: Cristina De Oliveira