Um olhar sobre a violência de gênero entre indígenas, por Igor Marçal Mena, Giovana Mandulão, Pagu Rodrigues e Daniel Canavese de Oliveira

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Foto: Mídia Ninja

31 de julho, 2025 Outras Palavras Por Igor Marçal Mena, Giovana Mandulão, Pagu Rodrigues e Daniel Canavese de Oliveira

Dados de estados do Sul e Sudeste revelam: mulheres jovens de baixa escolaridade são as principais vítimas. Agressões aumentaram, acontecem sobretudo em casa e são de natureza física e sexual. Como essa realidade se entrelaça com o colonialismo e o patriarcado?

Os Povos Indígenas da América do Sul têm buscado reconstruir uma filosofia de vida ancestral, anterior à colonização, conhecida como Bem Viver. De maneira sucinta, o Bem Viver propõe uma existência pautada no respeito à biodiversidade e na construção coletiva da identidade de todos os seres – fauna, flora e espírito – que coexistem na Mãe Terra, ela própria reconhecida como um ser vivo.

Para que a reconstrução do Bem Viver seja possível, é necessário situá-lo no contexto contemporâneo. Isso implica compreender as transformações políticas, culturais e tecnológicas que podem tanto favorecer quanto dificultar os movimentos dos Povos Indígenas e de seus aliados. Uma dessas transformações diz respeito às questões de gênero, especialmente à violência familiar e doméstica contra mulheres indígenas – foco central deste texto.

O Brasil foi historicamente estruturado sob um modelo colonial violento, alicerçado na expropriação de terras, na subjugação e exploração dos Povos Indígenas e da população negra, e na opressão sistemática das mulheres. Desde o início da colonização europeia, práticas como a escravização, o genocídio, o etnocídio e a destruição de modos de vida originários foram institucionalizadas, moldando profundamente as relações sociais, políticas e econômicas do país. A lógica extrativista imposta pelo colonizador — baseada na pilhagem dos recursos naturais e na exploração brutal da mão de obra indígena e africana escravizada — deixou um legado de desigualdades estruturais e violências que persistem até os dias atuais. A economia colonial, centrada na monocultura, na mineração e no desmatamento, estabeleceu as bases para um sistema que naturaliza a violência, o racismo ambiental e a marginalização de povos inteiros.

No caso de meninas e mulheres indígenas, a violência de gênero se entrelaça com as violências do colonialismo e do patriarcado, expressando-se de forma aguda e contínua. A imposição da cultura do estupro, do racismo e da desumanização de seus corpos não é fruto das culturas indígenas, mas sim das estruturas coloniais que deslegitimaram seus saberes, sexualizaram seus corpos e tentaram apagar sua existência. Muitas dessas violências — como o casamento precoce, a submissão forçada ou o silenciamento das mulheres indígenas — são erroneamente interpretadas como práticas tradicionais, quando na realidade são resíduos coloniais internalizados pela dominação cultural e religiosa. A colonialidade do poder e do saber impôs padrões ocidentais que desconfiguraram profundamente as formas originárias de organização social, inclusive no que diz respeito à participação e ao protagonismo das mulheres nas suas comunidades. Ademais, as violências contra mulheres indígenas estão diretamente ligadas à disputa por território e à criminalização da defesa de seus povos. Mulheres que atuam na proteção de suas terras, florestas, águas e modos de vida tornam-se alvos de perseguições, intimidações, deslocamentos forçados e, em muitos casos, assassinatos. A luta pela terra é também uma luta pelo corpo, pela memória e pela continuidade dos Povos Indígenas, e as mulheres estão na linha de frente dessa resistência.

Com base nesta contextualização, o presente texto tem como objetivo apresentar o cenário das violências sofridas pelos Povos Indígenas no recorte de cinco estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro) com base nos registros disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), entre 2015 e 2022. Os dados, de acesso livre para investigação, foram levantados via DataSUS/TabNet em janeiro de 2025. Podemos encontrá-los na seção “Epidemiológicas e Morbidade”, no campo “Doenças e Agravos de Notificação – 2007 em diante (SINAN)”, e na opção “Violência Interpessoal/Autoprovocada”, onde foram aplicados os filtros que organizaram as variáveis analisadas. Utilizamos o Excel para o tabelamento, análise dos dados e construção dos gráficos.

O SINAN é uma das ferramentas do Ministério da Saúde onde encontramos o monitoramento de dados epidemiológicos da população brasileira. Um conjunto deles trata da violência interpessoal e autoprovocada registrada nas fichas de notificação por profissionais de saúde, tanto do setor público quanto do privado.

Como pode ser observado no mapa a seguir, que apresenta a configuração e a atuação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), os estados aqui analisados estão relacionados com a região territorial dos Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Litoral Sul e Interior Sul. Estes DSEIs são responsáveis pela assistência em saúde indígena dos povos aldeados, majoritariamente, Kaingang, Xokleng, Guarani, Guarani Mbya, Guarani Nhandeva, Guarani Kaiowá, Ava-Guarani e Terena. Dentro da estruturação do SasiSUS há o Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), exclusivamente com os registros epidemiológicos das aldeias atendidas, mas os dados também são incluídos no SINAN. O foco deste trabalho são os dados oriundos do SINAN.

Entre os cinco estados analisados, São Paulo apresentou o maior número de notificações de violência, totalizando 1.999 registros, seguido pelo Rio Grande do Sul (1.393), Paraná (1.148), Santa Catarina (950) e Rio de Janeiro (622). Essa hierarquia pode refletir o tamanho das populações indígenas em cada estado, uma vez que a distribuição das notificações acompanha, proporcionalmente, a concentração populacional indígena nos respectivos territórios.

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