(Jornal da USP, 02/03/2016) Para enfrentar desigualdades, subordinação, preconceitos e várias formas de violência no ambiente universitário, a ONU Mulheres – entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) voltada para a promoção da igualdade de gênero – criou o programa 10×10×10, que integra o programa HeforShe (ElesporElas). Selecionou dez universidades em várias partes do mundo e, na América Latina, apenas a USP. O programa 10×10×10 visa a implantar uma cultura de igualdade de gênero, respeito e paz. Cada universidade criará seu próprio programa e, no fim deste ano, eles serão comparados em um evento internacional a ser sediado na USP.
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Para se vincular à ONU, a USP criou o Escritório USP Mulher, cuja coordenação assumi em janeiro de 2016. O Escritório está sendo implantado no prédio onde funciona a Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani), na Cidade Universitária, em São Paulo.
Como docente da USP e feminista, acompanho os problemas de violência contra mulheres, negros, homossexuais, transgêneros e pessoas com outras condições étnicas e sexuais. Não farei um relato simplista, mas serei realista, apontando alguns impasses, pois o sucesso do USP Mulher dependerá da atuação de todos os componentes da USP: alunos, alunas, professores, professoras, funcionários e funcionárias.
Embora esteja na USP há várias décadas, confesso que desconhecia vários mecanismos aqui existentes. Também sofria o impacto das notícias da mídia sobre violações de direitos na Universidade. Em consequência, a primeira providência foi ler os anais da Comissão de Inquérito da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), que abordou várias denúncias. Em seguida, entrei em contato com a Comissão de Direitos Humanos da USP, a Ouvidoria da USP e a Ouvidoria da Faculdade de Medicina da USP. Contatei também companheiras de algumas ONGs de docentes e alunas/os. Problemas foram equacionados e muitas sugestões começaram a serem propostas.
Se considerarmos que só o campus do Butantã tem cerca de 50 mil pessoas, entre corpo docente, discente e funcionários/as, a tarefa será muito complexa e dependerá de várias ações.
Por exemplo, os novos alunos, que entraram neste ano, foram recebidos sem os antigos e violentos “trotes”. Essa é uma triste tradição que deverá ser extinta. Para isso, o Escritório USP Mulher acompanhou as inovadoras e interessantíssimas propostas feitas pelas/os alunas/os da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. São cartazes, pequenos vídeos, folhetos e outros materiais que provocam o fortalecimento das alunas: elas podem fazer o curso que quiserem, não devem existir cursos masculinos ou femininos. As carreiras não devem ter discriminação de gênero. Chegaram a nosso conhecimento também ações que serão realizadas por outras unidades da USP e pelas/os próprias/os estudantes.
Os e as estudantes trazem da sociedade uma socialização machista, em que a virilidade se confunde com força e violência e a feminilidade, com submissão. Novos padrões de comportamento e valores mostram que homens e mulheres podem e devem ter os mesmos direitos, valores e comportamentos: um homem gentil não é menos homem; uma mulher com opinião não é menos mulher.
É por isso que a ONU lançou o programa HeforShe ou ElesporElas, que mostra, por exemplo, que os homens não devem aceitar piadas machistas, desqualificadoras das companheiras.
Sobre a violência sexual, é importante discutir uma total mudança de atitude. Deve ficar claro se a mulher consente. Porém, quando uma mulher diz não, isso significa não! Se uma mulher bebeu, usou um short, uma roupa curta, isso não significa que ela está “disponível”. Ela não está “disponível”! Os homens têm de entrar nesse entendimento e difundi-lo entre colegas: o consentimento deve ser claro. Isso vale para alunos, professores, funcionários e policiais.
O Escritório USP Mulher vai se esforçar para implantar programas que balizem valores igualitários e os decorrentes comportamentos. Sei que não será fácil, mas é daqui que sairão os novos profissionais que atuarão na sociedade. É da USP (além das outras universidades) que sairão médicos, professores, técnicos e psicólogos que cuidarão das novas gerações. Neles esperamos incutir uma ética de respeito e igualdade de gênero.
Todas as sugestões serão bem-vindas e analisadas. As portas do Escritório estarão abertas para construir uma nova ética de solidariedade, igualdade e paz.
Eva Alterman Blay é professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e diretora do Escritório USP Mulher
Acesse no site de origem: USP precisa fortalecer a ética da igualdade, Eva Alterman Blay (Jornal da USP, 02/03/2016)