Violência doméstica e a importância de uma perspectiva emancipatória para combatê-la, por Mariana Parra

25 de novembro, 2015

(Brasil Post, 25/11/2015) O caso envolvendo o deputado federal licenciado e secretário-executivo de coordenação de governo do Rio – e possível candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, Pedro Paulo, trouxe à tona a questão da violência doméstica que atinge as mulheres, no atual contexto de forte debate e movimentação no Brasil em relação às desigualdades de gênero e às diversas formas de violência contra a mulher.

O caso é chocante sob vários aspectos (inclusive pelo cinismo do agressor), e ao envolver uma pessoa pública com grandes ambições políticas (não pela primeira vez),demonstra como este é um problema extremamente enraizado e generalizado na cultura e na sociedade brasileira.

A coletiva de imprensa na qual a própria vítima tentou amenizar a violência sofrida faz a situação ficar ainda mais absurda. É preciso ter em mente, antes de tudo, que o assunto tem enorme impacto para a sociedade brasileira em seu conjunto, a denúncia sobre a ficha suja do sujeito é legítima e um dever, pois diz respeito ao interesse público – principalmente das mulheres, vítimas de uma sociedade extremamente machista em que a violência contra a mulher tem um alto grau de aceitação.

A relação entre público e privado na questão da violência doméstica é um elemento crítico, como demonstra o dito popular “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, um pensamento que precisa ser superado se queremos avançar no combate à violência doméstica, um flagelo gravíssimo no Brasil, país que está em 5º lugar no ranking mundial de homicídio de mulheres.

O fato de a própria vítima ter se envolvido no conluio para tentar limpar a imagem do agressor também mostra, como em muitas outras situações, a necessidade de uma perspectiva emancipatória e empoderadora para o combate à violência de gênero. Infelizmente ninguém está livre da cultura machista que dá base ao patriarcado.

Comportamentos femininos que reproduzem essa cultura machista, ou que são até mesmo essenciais para sua perpetuação, não representam nenhuma novidade aos que estão atentos, se interessam e lutam pela igualdade de gênero (certos comportamentos de mães de meninos, de sogras em relação às noras, são exemplos comuns no nosso cotidiano). Essa situação demonstra a complexidade do tema da violência doméstica, e a necessidade de avançarmos numa luta que tenha como objetivo desconstruir a cultura machista em todas as suas dimensões e desdobramentos.

A necessidade de uma luta emancipatória e empoderadora para o combate à violência de gênero também fica evidente se analisamos os dados de países que implementaram políticas punitivas para os agressores, mas que não conseguiram diminuir a incidência da violência baseada em gênero – em alguns casos, houve até mesmo um aumento dos casos de violência doméstica, como bem analisa Angela Davis, que questiona e milita contra as políticas de encarceramento em massa, que já provaram ser totalmente inócuas para o combate à violência e à criminalidade de maneira geral, além de, na verdade, agravarem a situação de violência, exclusão e desigualdade social.

Obviamente, a existência de mecanismos jurídicos prevendo a punição dos agressores e de proteção às vítimas é essencial para o combate à violência doméstica, é um elemento importante de dissuasão e de remediação para as vítimas. Resultados positivos em relação à Lei Maria da Penha demonstram isso. Por outro lado, as limitações da aplicação dessa mesma lei também apontam para a fundamental importância das outras frentes de luta contra a violência baseada em gênero. A onda de protestos e ações por igualdade de gênero que tomou conta do país, já chamada por algumas de ‘Primavera das Mulheres’ é uma maravilhosa mostra da importância dessas outras frentes de luta, e traz uma enorme esperança para termos mudanças profundas e um verdadeiro avanço no combate à cultura machista e por maior igualdade de gênero.

O que a “Primavera das Mulheres” mostra, de maneira inequívoca, é a enorme potência que despertamos quando nos juntamos, quando nos abrimos e tratamos das opressões e violências que nos esmagam, apertam fundo e nos sabotam cotidianamente, quando nos solidarizamos, nos apoiamos e nos fortalecemos mutuamente. É impossível lutar contra toda essa estrutura de opressão e violência sozinhas, isoladas. Tudo conspira para nos fazer acreditar que estamos sempre erradas, que sempre temos a culpa, inclusive (ou principalmente) quando nos revoltamos contra toda essa opressão (nos chamam de loucas, histéricas, ‘mal comidas’).

A união é a nossa força, e as últimas semanas foram uma linda mostra disso, nas redes sociais e nas ruas. Em relação à violência doméstica, o acolhimento e apoio às vítimas, sem o peso inócuo e nefasto de julgamentos moralistas e cruéis das mulheres que se encontram em situações de violência, e com um processo coletivo e solidário de desconstrução da cultura machista, são essenciais se queremos construir um futuro verdadeiramente livre da violência e das opressões de gênero.

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