Doze anos e quatro meses após a sanção da Lei 12.340, de 7 de agosto de 2006, um seminário reuniu as protagonistas históricas da elaboração da Lei Maria da Penha. A iniciativa da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência Contra a Mulher, da Procuradoria da Mulher da Câmara e da Secretaria da Mulher encerrou a programação conjunta que as duas Casas do Congresso prepararam para os 16 dias de Ativismo Pelo Fim da Violência contra as Mulheres.
Na primeira mesa, mediada pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), procuradora especial da Mulher, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que foi relatora da lei na Câmara, lembrou o processo de elaboração da norma.
— A Lei Maria da Penha não foi feita em gabinete, mas a partir de viagens por todo o Brasil, porque não queríamos fazer uma lei que refletisse apenas um contexto cultural, particular de agressão contra a mulher, queríamos saber como isso acontecia em todo o Brasil — disse a deputada, destacando a participação da população na elaboração da lei.
Conhecimento da lei
Jandira Feghali exortou o público a conhecer integralmente o que diz a lei.
— O apelo que faço é que as pessoas leiam o inteiro teor da lei, porque nem as mulheres e nem todos os parlamentares a leram. O efeito disso é que sempre aparecem propostas de alteração da lei e que muitas vezes são apenas redundantes, por acharem que estão criando uma coisa que já está lá. Precisamos fazer que a lei se cumpra. Podemos avançar para além dela, sim, mas primeiro é preciso cumpri-la — afirmou.
A deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), que presidiu a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra as Mulheres, lembrou que o episódio.
— Essa CPMI surgiu, em 2013, de uma angústia muito grande que a agente sentia diante dos limites que o Estado mostrava para implementar a Lei Maria da Penha. Nosso relatório final teve mais de mil páginas, com recomendações específicas nascidas de visitas a seis estados, e foi desta CPMI que nasceram recomendações que levaram à criação da Lei do Feminicídio, em 2015, e também do Observatório da Mulher contra a Violência, em 2016 — declarou.
Base constitucional
Integrante do Consórcio de ONGs Feministas pela Lei Maria da Penha, e durante 12 anos conselheira do Comitê pela Eliminação de todas as Formas de Violência contra a Mulher (Comitê Cedaw), criado em 2002 após a condenação do Brasil na Corte Latino-Americana de Direitos Humanos, por omissão do Estado no caso das agressões cometidas contra Maria da Penha, a advogada Silvia Pimentel destacou a importância de dispositivos da Constituição Federal de 1988.
— Foi uma briga muito grande para a gente inserir a ideia de que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres. Muita gente achava que bastava falar em homens, para abranger também as mulheres. A grande base para a elaboração da Lei Maria da Penha veio do parágrafo 8º, que condena a violência no âmbito das relações familiares, e do dispositivo que obriga o Brasil a reconhecer decisões de cortes internacionais — afirmou.
Memória
Deputada constituinte em 1988, a senadora Lúcia Vânia (PSB-GO), também lembrou o contexto da época.
— O Congresso Nacional era palco de todas as demandas da sociedade. As 26 mulheres que foram eleitas tinham posições distintas e divergentes. A imprensa logo nos apelidou de lobby do batom e saiu a procura de uma musa da constituinte. Mas tínhamos aliados entre os homens também. Mais experientes, os deputados Roberto Freire e José Genoíno nos ajudaram a transformar em leis muitas demandas apresentadas pela sociedade na Carta da Mulher Brasileira.
Quando a Lei Maria da Penha chegou ao Senado, após ser aprovada na Câmara, a bancada feminina preciso fazer um trabalho de grande convencimento, segundo Lúcia Vânia.
— A Lei Maria da Penha não foi escrita por uma pessoa só. Resultado: a lei foi aprovada integralmente, com apenas uma alteração de redação e não precisou voltar para a Câmara.
Após a abertura do seminário, três mesas discutiram ao longo do dia aspectos ligados à avaliação de sua aplicação e os desafios abertos ao seu futuro, diante de numerosas propostas de alteração da lei.
Defensoria
A defensora pública Dulciely Nóbrega de Almeida observou que ainda há muito a se implementar da legislação.
— Como vamos falar em alterar o que ainda não se implementou? — perguntou ela, listando situações vividas pelos defensores públicos, como a delimitação de prazo de validade para as medidas protetivas; o indeferimento de medidas protetivas, sob a alegação indevida de “ausência de motivação de gênero”; a condução coercitiva e fixação de multas à mulher que não comparece à audiência; a aplicação da lei da alienação parental e da lei da guarda compartilhada em processos que envolvem violência doméstica, entre outros.
A partir de um estudo que realizou em 475 acórdãos em tribunais superiores, a professora e advogada Rubia Abs Cruz, do Consórcio de ONGs, identificou a dificuldade de acessar as varas de violência e os serviços de atendimento do Estado sem um boletim policial (BO); a recomendação e adoção, sem previsão legal, de mediação de conflitos, justiça restaurativa e constelação familiar; e a preponderância de uma perspectiva patriarcal para solução de conflitos, em detrimento de uma leitura na perspectiva de gênero, mais focada nba vítima da violência doméstica.
A procuradora Ela Wiecko de Castilho, também integrante do Consórcio de ONGs, concentrou sua intervenção na abordagem do artigo 14 da Lei Maria da Penha, que prevê a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, como órgãos da Justiça com competência cível e criminal, mas que até o momento só foram efetivados no estado do Mato Grosso.
Sistema Penha
Para a delegada Kíria Orlandi, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) em Diamantina, um grande gargalo na aplicação da lei é a emissão da medida protetiva, que na região do Alto Jequitinhonha pode levar quase trinta dias. Acompanhada de agentes que trabalham na Deam, Kíria Orlandi disse que as delegacias deveriam ter a prerrogativa de emitir medidas protetivas. Ela divulgou o Sistema Penha, elaborado em parceria com a universidade local, que se trata de um banco de dados com acesso exclusivo, para possibilitar à polícia consultar medidas protetivas deferidas ou revogadas pelo Judiciário.
O seminário também com a participação de Aline Yamamoto, que representou a ONU Mulheres; Wânia Pasinato, pesquisadora; Flávia Guimarães Pessoa, juíza auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça; Fabiana Severi, Carmen Hein Campos, Renata Teixeira jardim, Leila Linhares Basterd, integrantes do Consórco Nacional de ONGs Feministas pela Lei Maria da Penha.
Entre o público de outros estados que compareceu a Brasília para o evento, estavam a deputada Augusta Brito, procuradora Especial da Mulher da Assembleia Legislativa do Ceará; Iris Gadelha, prefeita de Alto Santo (CE); Kátia Carvalho, vereadora de Jataí (GO); e Márcia Carvalho, jornalista da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará.
Acesse no site de origem: Seminário no Senado avalia Lei Maria da Penha (Agência Senado – 12/12/2018)