Falta de visto e de rede de apoio dificulta que brasileiras na Itália denunciem violência doméstica

27 de novembro, 2025 Folha de S. Paulo Por Michele Oliveira

  • Desconhecimento do idioma e dependência financeira também são obstáculos para elas saírem do ciclo de agressões
  • País é o terceiro com mais registros de violência doméstica contra mulheres brasileiras

“A gente pensa que, com todo o conhecimento que tem, nunca vai cair numa história assim”, diz a brasileira Viviana (nome fictício), que foi vítima de violência doméstica na Itália, onde mora há cerca de seis anos.

Durante três anos, ela foi casada com um italiano, denunciado por ela por violência psicológica, financeira e física. Viviana afirma ter sofrido repetidos golpes na cabeça durante discussões e uma ameaça de morte. Depois disso, ela interrompeu o relacionamento com a ajuda de um centro antiviolência, que deu instruções e apoio psicológico. Há dois anos estão separados.

“Eu tinha muito medo e insegurança [de denunciar]. Por ser uma mulher estrangeira e por ter ficado irregular [sem visto] por quase dois anos”, conta ela. “Sentia que não tinha credibilidade por ser estrangeira”, diz ela, que pediu para não ter seu nome verdadeiro divulgado por temer que isso atrapalhe no processo de separação.

A Itália está entre os países com maior número de registros de violência doméstica feitos por brasileiras que vivem no exterior. No ano passado, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, a Itália ficou em terceiro lugar, com 153 registros, atrás de Estados Unidos (397) e Bolívia (258). Foram 1.327 notificações internacionais, no total.

Neste ano, duas brasileiras foram mortas em casos de violência doméstica na Itália. Em junho, Sueli Leal Barbosa, 48, morreu em Milão após cair da janela de seu apartamento, que estava em chamas. O companheiro é acusado de ter provocado o incêndio antes de sair e trancar a porta. Em outubro, Jessica Stappazzollo, 33, foi assassinada em Castelnuovo del Garda com 27 facadas. O suspeito do crime era seu companheiro. Ambos são brasileiros e estão presos.

Os dois casos tiveram repercussão nacional, em meio a um debate público e político sobre a violência contra a mulher no país. O Parlamento aprovou nesta terça (25) a inclusão do crime de feminicídio no Código Penal.

A violência doméstica, dizem especialistas, é um fenômeno transversal que atinge mulheres em todos os contextos de renda, raça, idade e território. Em muitos casos, fatores como filhos pequenos e dependência econômica são obstáculos para o fim do ciclo de agressões.

Para as estrangeiras, entram em cena situações que complicam ainda mais. “A condição de irregularidade ou fato de o visto depender do agressor são elementos de ameaça usados pelo próprio agressor”, diz a advogada italiana Ilaria Boiano, corresponsável pelo setor de imigração da associação Differenza Donna, que atua no combate à violência de gênero. Se uma brasileira é casada com um italiano ou com um brasileiro que tem dupla cidadania, é comum que ela tenha um visto de permanência familiar vinculado ao companheiro.

“O fato de se encontrarem em um ambiente novo, muitas vezes sem rede de apoio constituída, sem conhecimento do idioma ou fonte de renda própria, traz dificuldades para que as mulheres busquem o apoio adequado”, afirma a embaixadora Márcia Loureiro, secretária de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos do Itamaraty.

Sobre os números que colocam a Itália entre os países com mais registros de violência doméstica contra brasileiras, Loureiro afirma que, entre as possíveis explicações, está o fato de a comunidade brasileira na Itália ser a oitava maior no exterior, composta 70% por mulheres.

Além disso, diz, os consulados em Milão e Roma têm atuação consolidada em orientação jurídica e psicológica. “Criam um ambiente seguro para acompanhamento de casos de violência, estimulando as notificações”, afirma.

A embaixadora ressalta que os números são baseados em pedidos de assistência consular e que a subnotificação de casos de violência costuma ser grande. Embora a Itália apareça entre os países com maior número de casos, “não é possível afirmar que seja o local em que as brasileiras estejam mais sujeitas à violência”.

Os consulados não têm poder de polícia. Quando uma brasileira diz ser vítima de violência, o órgão avalia suas necessidades assistenciais, pode encaminhar o caso para associações locais e, se autorizado por ela, contatar forças de seguranças.

Em uma mesinha na sala de espera do consulado em Milão, a reportagem viu uma pilha do que pareciam ser marcadores de livro com cores fortes do amarelo ao vermelho. Era um “violentômetro”, com uma gradação de sinais de violência doméstica contra a mulher.

Na parte mais clara, o marcador recomenda, em português, ter cuidado diante de comportamentos como ciúme excessivo. Na mais escura, aconselha a mulher a buscar ajuda no caso de empurrões, relação sexual forçada, ameaças com objetos ou de morte.

A peça foi elaborada pelo núcleo em Milão do Grupo Mulheres do Brasil, coordenado pela empresária Luiza Helena Trajano. Com 40 páginas, reúne normas, contatos de centros antiviolência e frases em italiano para dizer na delegacia.

“O primeiro passo é tomar consciência de que está sendo vítima e pedir ajuda. Muitas vêm para a Itália e ficam imersas numa cultura totalmente da família do marido, sem saber que estão sendo vítimas de violência”, diz Carla Bottino, uma das líderes da seção Milão do grupo.

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